Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Judas Priest – Turbo [1986]
Por Marcello Zapelini
Uma vez li que 1986 era o pior ano da história do rock em termos de lançamentos. Como gosto é algo subjetivo, pelo meu, pode até ser que seja mesmo. Vários artistas consagrados lançaram discos considerados muito ruins: Alcatrazz (Dangerous Games), Bob Dylan (Knocked Out Loaded), Elton John (Leather Jackets), Genesis (Invisible Touch), Joe Cocker (Cocker), Nazareth (Cinema), Neil Young (Landing on Water), Paul McCartney (Press), Rolling Stones (Dirty Work), são apenas alguns exemplos – e estou ficando somente naqueles cantores e bandas que gosto. Por outro lado, teve coisa boa também, como Lifes Rich Pageant do R.E.M., Master of Puppets do Metallica, Brotherhood do New Order, Somewhere in Time do Iron Maiden, e o disco que escolhi para esta seção hoje.
Lançado em 21 de março de 1986, mais de dois anos depois do ótimo Defenders of the Faith, Turbo teve uma “gestação” complicada, com gravações que se estenderam de junho de 1985 a fevereiro de 1986. Rob Halford estava em má situação pessoal, pois seu parceiro tinha cometido suicídio, e ele, que vinha abusando das drogas e do álcool, precisou passar um período na rehab. A banda era pressionada pela organização conservadora PMRC (Parents Music Resource Center, liderada por Tipper, esposa de Al Gore, que seria vice-presidente dos EUA) por conta do teor de suas letras. E, claro, após mais de dez anos ralando, o Judas Priest tinha finalmente conseguido o sucesso nos Estados Unidos, o que jogava mais responsabilidade sobre os músicos para que o novo álbum fosse um sucesso comercial.
Turbo foi concebido inicialmente como Twin Turbos, um álbum duplo que reuniria material mais comercial e músicas mais heavy no estilo consagrado da banda. Entretanto, tendo sido vetada pela gravadora, a ideia não foi adiante, e no final das contas, somente o material mais fácil de comercializar saiu no LP em 1986. Curiosamente, a maioria das músicas que foram “engavetadas” seriam lançadas oficialmente no futuro, algumas delas em Ram it Down, outras como bonus tracks nos CDs da banda (até British Steel foi relançado com uma música dessa época!!) e na box set Metalogy. Uma das músicas posteriormente lançadas nas reedições, a balada “Prisoner of Your Eyes” encantou o cantor romântico Julio Iglesias, que se dispôs a traduzir a letra para o espanhol para a banda gravar um single exclusivo para o mercado de língua hispânica! Até onde sei, o plano não teve seguimento.
Quando alguém colocava o disco para rodar em 1986, de cara leva um susto: um som sintetizado inicia “Turbo Lover”. A banda queria experimentar com guitarras sintetizadas, e Glen Tipton e K. K. Downing adotaram o instrumento ao longo do álbum. A música dá o tom do disco: um som mais hard, com menos peso, mas com refrões mais fortes e arranjos diferentes do que a banda fizera – além, é claro, de colocar a bateria em primeiro plano, que parecia a regra da época. Com quase 700 apresentações em shows ao longo dos anos, “Turbo Lover” é a 11ª na lista das músicas mais executadas pelo Judas Priest. “Locked In” tem um ritmo mais acelerado do que a abertura, provavelmente foi esquecida por causa do arranjo. “Rock You All Around the World” é a típica música feita para o público berrar junto numa arena lotada, com um refrão grudento. “Reckless” é uma música que tem o sabor da banda na década de 80, e poderia muito bem fazer parte das setlists até hoje. “Out in the Cold” é uma daquelas músicas mais lentas que de vez em quando o Priest solta, e é para mim um dos principais destaques do disco, apesar da introdução um tanto datada; os shows da turnê “Fuel for Life”, que promoveu o álbum, eram abertos com ela. “Wild Nights, Hot & Crazy Days” é uma música que traz o clima de festa que o Priest vinha cultivando desde que “Living After Midnight” fizera sucesso entre os fãs, e é outra música perfeita para fazer os fãs gastarem as cordas vocais nos shows. Já “Private Property” me soa um pouco como música do AC/DC (embora não consiga imaginar Angus e sua turma tocando algo com uma introdução como aquela), é um bom hard rock com ritmo bem cadenciado.
“Parental Guidance” é um tapa na cara de Tipper Gore e sua turma, deixando bem claro que os fãs do Judas Priest podem ser adolescentes, mas não são meros idiotas que precisam que seus pais mandem levantar a tampa do vaso sanitário quando vão no banheiro; a música alegre não acompanha a letra ácida, mas foi uma boa ideia fazê-la assim. A única música que para mim realmente não funciona é “Hots for Love”, apesar do bom dueto de guitarras no solo. No todo, “Turbo” conta com boas músicas, e o desempenho dos músicos está acima de qualquer crítica: Halford estava cantando no seu nível habitual, Downing e Tipton estão muito bem nas guitarras, e Ian Hill estava discreto como sempre. O som da bateria, entretanto, não favoreceu muito Dave Holland – como nunca fui fã do trabalho dele no Priest, sou suspeito para falar, mas os efeitos “oitentistas” aplicados não o ajudam em nada.
Posteriormente, Turbo seria relançado com todo o catálogo do Judas Priest na Sony Music com duas bônus, “All Fired Up” (deixada de fora do lançamento original) e uma versão ao vivo para “Locked In”, gravada na turnê de lançamento do álbum, que incluiu mais de 100 shows e levou a banda aos EUA, Canadá, Japão e Europa (mas não ao Reino Unido, curiosamente), e rendeu o álbum duplo Priest… Live! acompanhado de um vídeo inteiramente registrado num show em Dallas – o álbum trouxe músicas desse show e de outro em Atlanta. A banda foi criticada na época por conta da mudança de visual, com roupas de couro mais coloridas e mais produzidas, em vez do jeans e couro preto anteriormente adotados, e maior cuidado com os cabelos (K. K. parece um poodle, coitado). Mas, como Rob Halford admitiu, todo mundo naquela época queria aparecer bem na MTV, e o visual da banda copiava o que fazia sucesso nela.
Turbo fez sucesso, atingindo o 17º lugar da Billboard (até hoje, a segunda posição mais elevada da banda nessa parada) e rendeu à banda um disco de platina. No entanto, a banda esperava mais e a vendagem foi, de certo modo, decepcionante. Em 2017, uma nova edição em CD (Turbo 30) foi lançada sem as bônus anteriores, mas com dois CDs trazendo um show completo registrado em Kansas City em maio de 1986 (pouco antes dos que formaram Priest… Live!. Esta edição, particularmente, é a mais recomendável, pois os discos ao vivo são excelentes, com desempenho superior ao dos shows anteriormente lançados, e sua qualidade sonora do álbum é superior ao Priest… Live!.
Pergunte a um fã do Judas qual é o pior disco que a banda lançou com Rob Halford no vocal e provavelmente ele apontará este. Para esse hipotético fã, o Judas quis experimentar e se deu mal. Eu, que tinha meros 16 anos quando Turbo saiu, teria concordado com ele. Mas depois de anos, voltei a ouvir o álbum, e quando a edição de 30 anos saiu, troquei meu CD antigo pelo novo com muito prazer, porque tinha mudado meu ponto de vista. Como disco de heavy metal, Turbo está aquém da obra do Judas Priest, eu admito. Mas como um disco de uma banda de rock que saiu de sua zona de conforto e quis fazer algo diferente (mesmo que fosse para vender mais), ele é muito bom. Embora não seja meu álbum favorito do Priest, é meu preferido no (musicalmente falando) horroroso ano de 1986.
Track list
- Turbo Lover
- Locked In
- Private Property
- Parental Guidance
- Rock You All Around The World
- Out In The Cold
- Wild Nights, Hot & Crazy Days
- Hot For Love
- Reckless
Parabéns pelo texto. Permita-me discordar por ter colocado Invisible Touch na lista dos piores discos. Como álbum pop é excelente.
Obrigado, Marcos, pelo comentário! “Invisible Touch” é para mim o mais fraco dos discos do Genesis clássico (nunca dei atenção ao “Calling All Stations”). Tem algumas músicas legais, mas no todo ele não me agrada. Gosto do Genesis pop dos anos 80, mas esse disco em particular não é para mim.
É difícil entender porque depois de uma obra-prima absoluta de 1984 chamada Defenders of the Faith (que fecha a “trinca de ouro” do Priest junto com British Steel e Screaming for Vengeance), a banda lançaria em 1986 uma PORCARIA dessas…
Já li que a Columbia não estava satisfeita com o sucesso do grupo e queria mais vendagem, daí a opção por um som mais comercial. Eu, particularmente, gosto de pensar que eles sabiam que não conseguiriam superar os discos anteriores e decidiram investir numa mudança radical do som. Muita gente não gostou – eu sou a famosa exceção que confirma a regra, hehehe.
Considero que o Judas Priest não estreou bem (“Rocka Rolla” não diz muito a que veio), mas de “Sad Wings of Destiny” até “Turbo” conseguiu emplacar uma sequência de onze discos (incluindo o ao vivo “Unleashed in the East” e “Priest… Live!”)que variam do bom ao excelente, e só veio a tropeçar mesmo quando lançou “Ram it Down”.
Olha Marcelão, começo a ouvir o Judas “das antigas” no Stained Class e termino no Defenders. Não curto muito a “trinca injustiçada” formada por Point of Entry, o próprio Turbo e Ram it Down… Sinto muito!
Agora que vi que a última frase acabou ficando incompleta: “Embora não seja meu álbum favorito do Priest, é meu preferido no (musicalmente falando) horroroso ano de 1986”!
Obrigado pela correção do texto, André!
Não sei se concordo com a ideia que 1986 foi um ano musicalmente ruim. De início, lembro do lançamento do disco de estreia do Candlemass, o Reign in Blood, do Slayer e do Fatal Portrait, do King Diamond. Mas muita gente, nessa época, resolveu se enveredar pelo lado farofa da força (enquanto o Brasil vivia sua beatlemania tardia, com o RPM…). Foi o caso do próprio Judas e até dos inoxidáveis guerreiros do Manowar (que lançaram Fighting the World). Falando do Turbo, esse é realmente um disco muito fraco, mas quando eu lembro que o Ram It Down nos “presenteou” com aquele cover horroroso de Johnny B. Goode (com um clipe igualmente horroroso), até que esse se torna um álbum “passável”. Ainda bem que esses dois são os únicos discos realmente ruins do Judas, na minha opinião.
Obrigado pelo comentário, Sílvio! 1986 tem bons discos, sem dúvida, e eu acrescentaria o “Russian Roulette” do Accept (mesmo estando aquém dos anteriores da banda) e o “Orgasmatron” do Motörhead à sua lista. O problema é que, como mencionei na resenha, tem uns verdadeiros pesadelos para os fãs de um bocado de gente, especialmente para a turma do classic rock (da qual faço mais parte, hehehe). Quanto ao “Ram it Down”, também não gosto dele, tem umas músicas que eu até curto, mas acho bem mais fraco do que este “Turbo”, que para mim é um disco que chega perto do Top 10 dos meus favoritos do Judas.
O Orgasmatron é uma boa lembrança. Esse do Accept eu não conheço. O problema é essa inclinada para a farofada, talvez uma consequência do modismo em torno do rock nos Estados Unidos nessa época. Essa é a minha seção favorita do site, especialmente porque, por trás de discos que quase ninguém gosta, tem sempre coisas boas a serem descobertas!
Valeu pelo comentário, Silvio! O “Russian Roulette” não se compara com o “Balls to the Wall” ou o “Metal Heart”, por exemplo, mas se você gosta do Accept provavelmente vai encontrar coisa boa no disco. De fato, a farofa foi forte na metade da década de 80, ainda que tenha rendido alguns discos bem legais para quem não se importa de ter seu metal misturado com algo um pouco mais leve. Também gosto muito dessa seção, a maioria dos discos que eu já conhecia e foi abordada aqui eu já gostava – e encontrei algumas coisas boas.