Rush – Hemispheres [1978]
Por Jefferson A. Nunes (Publicado originalmente no site Progshine)
Meu disco preferido do Rush, Hemispheres tem um Q de especial pra mim. Lembro-me que eu era criança e meu irmão, que naquela época morava no seminário, vinha nos visitar em férias anuais e trazia seu rádio. Dentre os vários CD’s que ele escutava, Hemispheres e 2112 (1976) se mantém em minha mente como dois dos mais marcantes. Mesmo sem me lembrar completamente de tudo, trechos das músicas, como a introdução de “La Villa Strangiato” e de “Overture” de “2112” permanecem em minha memória como momentos únicos.
A verdade é que Hemispheres é realmente um disco muito especial. Mostra mais um mergulho dentro do experimentalismo da banda com muitas linhas complexas, mudanças de ritmo e texturas distintas nas músicas. Todas elas fantásticas por sinal! Geddy Lee estava no ápice de sua voz. Foi o último grande disco progressivo do Rush. O seguinte, Permanent Waves (1980), já mostra uma face mais comercial e acessível que perdura até os dias de hoje. Uma pena!
O álbum abre com “Cignus X-1 Book Two: Hemispheres” e suas seis partes. A continuação da última música do disco anterior (“Cignus X-1 Book I: The Voyage”, do álbum A Farewell to Kings, de 1977), “Cignus X-1 Book Two: Hemispheres” é uma das melhores músicas de grande duração do Rush. Mostra uma busca por uma face mais melódica, sem se preocupar tanto com solos, além de conter uma das letras mais bonitas que já vi. “Prelude” começa com mais uma bela introdução voltada para dedilhados de grande beleza e, é claro, os riffs clássicos da banda com muita distorção overdrive. Tem ainda linhas de sintetizadores colocadas em momentos certos.
Depois de dois segundos de silêncio, “Apollo Bringer Of Wisdom” vem com riffs e dedilhados mostrando o melhor do Rush, seguindo a linha da introdução. Intercala dedilhados e partes mais pesadas, embora essas últimas sejam suaves se comparadas com outras músicas da banda. Em 6:25, começa um dos três únicos solos da música, no estilo consagrado de Alex Lifeson, intercalando velocidade e feeling. Um solo sem aquela agressividade toda que é apresentada em músicas como “2112”.
A terceira parte, “Dionysius Bringr Of Love”, começa absolutamente grudada na outra em uma transição bem natural. O ouvinte nem percebe a mudança! Segue a mesma melodia da anterior com riffs pesados e dedilhados belos. Em 8:55 uma bela melodia de sintetizador aparece por cima da melodia principal continuando a melodia clássica da música. Em 9:30 mais um solo de Lifeson! Esse porém mais contido e pequeno, não deixando muito o que dizer.
“Armageddon The Battle Of Heart And Mind” começa grudada na outra e segue a linha. Em 10:41 porém, o bonito dedilhado que é repetido tantas vezes continua a tocar durante a estrofe deixando a música com um tom mais dançante. Em 11:30 linhas de sintetizador dão um toque muito interessante a faixa com uma guitarra mais pesada acompanhando. Segue até morrer rapidamente levando para “Cygnus Bringer Of Balance”. O seu início é sombrio com acordes claros de pestana, iguais aos mostrados em “Cygnus X-1 Book One”, e com uma ambiência de teclado crescente. No limite da audição, aquele lick de baixo e bateria que torna “Book I” pesada aparece. É difícil ouvi-lo com clareza nas primeiras audições!! A ambiência cresce com Geddy Lee cantando bem suavemente e com o vocal com efeito.
Sons trovejantes aparecem em 14:00, o que mostra a habilidade de Neil Peart para sonoplasta. Em 14:36 a banda vem tocando de forma pesada com Geddy Lee cantando de forma muito agressiva, dando quase um susto no ouvinte. É a parte mais pesada da música, tendo um solo de guitarra pequeno e bem agressivo em 15:24. Na parte final, um momento mais selvagem com Neil Peart mostrando sua técnica absurda. Em 16:42 a música explode até morrer lentamente.
Finalmente, “The Sphere A Kind Of Dream”. A parte mais bonita!! Resume-se a um dueto violão / vocal e mostra outra faceta do vocal de Geddy Lee, bem suave e contido. Um perfeito final para uma música tão incrível.
No lado B temos “Circumstances”. A mais pesada do disco trazendo aquele Hard Rock tão característico do Rush com guitarra venenosa, baixo pulsante e bateria complexa. Tem um refrão bem viciante, embalado e cativante. Em 2:09 a música morre e vem um belo dedilhado com Neil Peart tocando uma lira de teclas de forma magistral. O teclado de Geddy Lee também é muito bem executado, mas o trecho é pequeno e logo traz o peso novamente.
“The Trees” é uma bela música. Cheia de momentos distintos, começa com um belíssimo dedilhado de violão, acompanhado logo depois pelo vocal e baixo de Geddy Lee. Logo após um pequeno dueto violão / baixo, o peso entra em 0:40 de forma bem dançante. Uma característica muito legal de diversas músicas da banda. Em 1:46 a música pára e, com um dedilhado muito bonito ao fundo, Geddy Lee faz uma linha de teclado muito boa enquanto Neil Peart toca conjuntos estranhos da sua bateria monstruosa. Em 2:54, Geddy faz uma linha de baixo fantástica que traz o solo de Alex Lifeson: preciso, contido, sem firulas. Em 3:33 começa uma série de riffs com paradas muito legal. Sem dúvida, um dos melhores momentos do disco!
Por fim, “La Villa Strangiato“. O melhor tema instrumental do Rush? Os fãs de “YYZ” que me perdoem, mas pra mim sim. Dividida em 12 partes (!), começa com um trecho acústico feito por Alex com grande influência da guitarra flamenca. Espetacular! Logo depois, uma melodia calma vai crescendo aos poucos nos ouvidos com bastante som de sintetizadores e com a bateria começando a integrar elementos lentamente.
Em 2:00 começa o peso com o riff principal da música, muito cativante e complexo. Vai diminuindo a intensidade aos poucos até que em 3:35 Neil Peart segura uma batida bem suave e Alex começa um solo calmo que vai evoluindo e crescendo em volume e agressividade aos poucos intercalando velocidade e feeling, marca registrada desse grande guitarrista. Para mim é o mais fantástico dos solos de Lifeson. O melhor que produziu!
Segue para um riff abafado muito interessante até que em 5:44 a parte mais intensa começa com um dueto guitarra / baixo tendo um pequeno solo de Geddy Lee em 6:10. Depois disso é a vez de Neil Peart mostrar sua técnica absurda com paradas e pequenos solos nos silêncios da guitarra e baixo.
Chegamos aos 7 minutos com muitas mudanças de tempo e licks intrincados. Em 7:50 é mostrada uma das coisas mais pesadas já feitas pelo Rush. Quase um Heavy Metal mesmo! Um riff sombrio e sinistro que logo traz melodias do início da música. Uma canção sem igual! Fico sem fôlego toda vez que a ouço e vejo muita influência dela em bandas como Iron Maiden (ouçam “Hallowed Be Thy Name” e entenderão o que digo).
Hemispheres é um disco pouco lembrado, apesar de “La Villa Strangiato” e “The Trees” figurarem em shows da banda até hoje. É o último registro 100% progressivo do Rush e merece estar ao lado de grandes álbuns como Moving Pictures (1981) e 2112 (1976).
Track list
1. Cygnus X-I Book Two: Hemispheres
2. Circumstances
3. The Trees
4. La Villa Strangiato
Um baita disco, divisor de águas na carreira do Rush, e muito, mas muito fundamental para se conhecer rock progressivo. O ano de lançamento dele é que atrai mais atenção, já que no final da década de 70, para muitos o progressivo havia morrido, mas voltando no tempo, em 77 o Yes lotou cinco noites no Wembley Arena (nem Beatles conseguiu tal façanha) e esse discaço de 78 manteve a chama acesa por mais algum tempo.
Meu disco favorito do Rush tbm. Considero “Cygnus X-1 Book II: Hemispheres” a melhor música do Rush, melhor até que “2112”, bem mais coesa e com uma letra sensacional: Bem complexa, mas ao mesmo tempo de fácil entendimento. Coisas do genial Neil Peart que não se contentou em ser “SÓ” o melhor baterista da história do rock, mas um dos melhores letristas tbm. “Circumstances” é uma das pérolas “escondidas” do Rush assim como “The Trees” tbm. E claro, temos a maravilhosa “La Villa Strangiato”, um completo orgasmo auditivo.
Valeu pelo comentário Myke. Abração.