Review Exclusivo: Titãs (Porto Alegre, 06 de junho de 2012)
Por Micael Machado
Fotos por Paula Gatto
Paulo Miklos, Sérgio Britto (de costas), Branco Mello e Tony Bellotto |
Como o repertório desta primeira parte era bem conhecido e apreciado por este que vos escreve, as maiores surpresas estavam na própria performance do grupo. Sem o apoio de músicos contratados, como em turnês anteriores, os quatro remanescentes assumiram os instrumentos de cordas e, para espanto geral, mandaram muito bem! Tony Bellotto sempre foi a alma roqueira do grupo. Paulo Miklos conseguiu, com sua guitarra, dar o apoio necessário para que o guitarrista desfilasse solos raivosos, executados com uma garra que há tempos eu não presenciava em um show da banda. Branco Mello demonstrou uma grande evolução na arte de tocar baixo desde os seus tempos de Kleiderman, projeto paralelo que teve ao lado de Sérgio Britto nos anos 90. Este último, embora sempre tenha sido o tecladista oficial do grupo, agora também tomava conta do baixo (nas músicas cantadas por Branco) com bastante desenvoltura. Tudo bem que as músicas dos Titãs não são nenhum primor de técnica e destreza instrumental, mas fiquei bastante surpreso e satisfeito ao constatar que os músicos conseguiram manter o grupo na ativa, mesmo em uma quantidade reduzida em relação ao octeto de antigamente. E com um resultado bastante satisfatório!
Durante pouco mais de quarenta minutos as treze músicas de Cabeça Dinossauro foram interpretadas na sequência original, sem maiores mudanças de arranjo (apenas “Dívidas” ficou um pouco mais roqueira do que a original) e quando o grupo encerrou “O Quê” (com muitos samplers e Miklos assumindo os vocais originalmente cantados por Arnaldo Antunes), algumas constatações ficaram evidentes. Os Titãs ainda estão vivos e com grandes possibilidades de recuperarem a relevância de antigamente, se quiserem. “Família” (com Branco assumindo as vozes, feitas no disco por Nando Reis), apesar de bastante aceitável, soa completamente deslocada do resto do repertório do álbum (assim como o ex-baixista em seus últimos dias com o grupo). Cabeça… é realmente um dos melhores discos do rock brasileiro dos anos 80 com diversas musicas que merecem ser chamadas de “clássicos” (como “Polícia”, “Bichos Escrotos” – e seu obsceno refrão, entoado por todos os presentes – e “Homem Primata”) e este novo show, com uma atitude muito mais roqueira do que a de anos anteriores, estava caminhando a passos largos para se tornar um dos melhores espetáculos da banda!
O grupo com Britto ao microfone |
O grupo deixa o palco e após um breve intervalo retornava para a segunda parte do show. Tenho certeza que muitos ali esperavam pela banda dos hits “pops bonitinhos” como “Epitáfio”, “Nem Cinco Minutos Guardados”, “Pra Dizer Adeus” ou “É Preciso Saber Viver”. Mas a noite era de outro grupo. Aquele agressivo e desbocado que marcou com sua garra e o peso de suas músicas toda uma geração do rock nacional. Como a provar isto, Paulo Miklos assumiu o microfone e intimou os presentes com os versos “Do que é que vocês estão rindo? O que é que vocês estão olhando? O que é que vocês estão falando?”. Era o começo de “A Verdadeira Mary Poppins”, do por muitos anos desprezado Titanomaquia (1993), um dos melhores registros do grupo. O primeiro show de “banda grande” a que assisti quando saí do interior do RS para morar na região metropolitana de Porto Alegre foi justamente o do Titãs na turnê deste disco. Ouvir de novo esta música ao vivo, quase vinte anos depois, foi algo simplesmente indescritível! Deste lançamento, que poucos parecem gostar, ainda foram lembradas “Nem Sempre se Pode Ser Deus” e “Será que é Isso que eu Necessito?”, para delírio deste redator! Mas ainda havia mais!
Focando sabiamente nas músicas mais pesadas, a apresentação seguiu com a inesperada “Amor por Dinheiro” que abre o mais recente registro do grupo, o fraco Sacos Plásticos. Houve apenas três outras canções “pós-Acústico MTV“: “Aluga-se” (Raul Seixas) cuja versão titânica encontra-se no desprezível As Dez Mais; “A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana”, faixa título do álbum de 2001 e “Vossa Excelência” do disco MTV Ao Vivo (2005), antecedida por um discurso de Miklos contra os ex-presidentes Fernando Collor e Lula – um por tentar apagar da memória do congresso o episódio de seu impeachment, outro por tentar ocultar da memória do povo as manobras e desvios do mensalão. Aliás, o agressivo refrão com seu ataque direto aos políticos brasileiro foi outro momento que teve participação massiva da plateia que parecia usar o mesmo como uma espécie de catarse coletiva contra as mazelas provocadas a todos nós pelo governo. Ainda houve espaço para uma música inédita, “Fala, Renata“. Britto anunciou que a banda “talvez grave um dia”. A música foi bem recebida por todos.
Outro momento do show |
De resto, apenas “velharias” como “Diversão”, “Lugar Nenhum” (do excelente Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas), “O Pulso” (do incensado Õ Blésq Blom, disco do qual nunca gostei muito) e “Televisão“, anunciada por Branco como uma música “muito antiga, que tocávamos nos encontros do colégio”. Um repertório diferente dos últimos que a banda vinha escolhendo, mas… muito melhor!
Terminada “Lugar Nenhum” o grupo se despediu de todos, mas era certo que voltaria para o bis. Como que a querer agradar aqueles que se haviam decepcionado com a porradaria apresentada, os Titãs sacaram três músicas conhecidas de todos, fugindo um pouco do “clima geral” da noite: “Flores”, “Sonífera Ilha” (primeiro sucesso da banda) e “Marvin” (cantada por Branco Mello), lavaram a alma daqueles que estavam lá para curtir os sucessos mais pops. Um grupo que teve o seu auge em algum lugar do passado, mas que provou que ainda permanece presente e necessário ao cenário atual da música brasileira, mesmo que para isso tenha de nos esfregar na cara seu passado glorioso. Longa vida ao Titãs!
Muito legal a resenha Micael. Tenho certeza que antes de lê-la eu certamente deixaria de ir à um show da banda mesmoq ue fosse ao lado daqui de casa. Porém, se eles estiverem fazendo um show com esse repertório, agora dá para voltar a pensar em assistir a banda. Tenho os dois volumes daquela coletâneas da banda 84-94 e alí estão todas as músicas legais.
Achei ótimo da parte dos Titãs, de voltarem a incluir músicas mais agressivas de sua carreira, como "A face do destruidor", "Mary Poppins, "Será que é isso que eu necessito?", "Porrada", e "Tô cansado". Mas sinceramente, sem querer ser chato, eu acho que a banda já perdeu a essência, e eles não tocam mais essas músicas com agressividade de outrora. Mas já é um bom sinal, pelo menso eles estão tocando rock de verdade, e que sirva de exemplo para essas bandinhas emo pseudo roqueiras, como aquele lixo do Restart. Seria muito legal, se os Titãs, mandassem para aquele lugar, a mídia, e todas essas rádios, que só tocam pop. Já imaginou que legal seria se lançassem um álbum nos mesmos moldes do Titanomaquia?? Exagerei, hoje em dia seria difícil, mas nãao custa nada sonhar certo?
É interessante notar como diferentes tipos de apreciadores de um grupo podem ter impressões totalmente distintas a respeito do mesmíssimo show. Sabendo que o Micael tem apreço especial pelo Titãs mais obscuro e rocker de "Titanomaquia" e afins, além, é claro, do próprio "Cabeça Dinossauro", não me admirei com a positividade de seu relato em relação à atitude mais agressiva apresentada pelo quarteto e à execução de músicas mais obscuras em seu extenso catálogo. Já em outra resenha, a respeito da mesma apresentação, foi justamente enfatizado como esse enfoque no lado mais rocker do Titãs e a ausência de muitos hits radiofônicos deixou grande parcela do público decepcionada. De qualquer maneira, fico ao lado do Micael nesse caso, mas é bom para que percebamos como cada um pode ter percepção diferente de coisas idênticas em se tratando de música.