Rainbow – Long Live Rock ‘N’ Roll [1978]
Por Micael Machado
Em abril de 1977, era chegado o momento do Rainbow voltar ao estúdio e gravar seu terceiro disco, que tinha a tarefa de ser o sucessor de Rising, lançado no ano anterior com grande aclamação por parte da crítica e do público. Para tanto, o quinteto formado pelo guitarrista Ritchie Blackmore, o vocalista Ronnie James Dio, o baterista Cozy Powell, o tecladista Tony Carey e o baixista Mark Clarke (então recém incorporado ao time) se reuniu no Château d’Hérouville, na França, sem quase nada pré-escrito, e, junto ao produtor Martin Birch, tentaram compor e gravar o álbum nas semanas seguintes. Entretanto, as coisas não correram muito bem, com Blackmore mais interessado em jogar futebol nos pátios do castelo que abrigava o estúdio, enquanto Powell preferia correr com sua Ferrari pelos arredores do local. Clarke acabou demitido no meio das sessões (com Ritchie assumindo também o baixo dali em diante, mesmo que Dio já tivesse empunhado o instrumento anteriormente em sua carreira), e, no embalo, Carey também acabou expulso da banda. O trio remanescente chegou a julho daquele ano com sete demos praticamente prontas, mas suspendeu as sessões para o lançamento do álbum duplo ao vivo On Stage naquele mesmo mês, outro disco que obteve grande repercussão positiva tanto dos críticos quanto dos fãs da banda, que, rapidamente, recrutou Bob Daisley para o baixo e David Stone para os teclados, saindo em turnê pela Europa para divulgar seu então mais novo sucesso. Foi apenas em dezembro de 1977 que a nova formação, agora já “azeitada” pelos meses na estrada, retornou ao Château d’Hérouville para finalizar o novo disco, que seria chamado de Long Live Rock ‘N’ Roll, e lançado em abril do ano seguinte. Com as sete faixas registradas anteriormente, acrescidas de um novo “épico” na discografia da banda, o Rainbow lançava um álbum que receberia uma aprovação quase unânime de seus fãs, embora eu, particularmente, o considere o mais “fraco” da “fase Dio” do conjunto.
Com quatro composições de cada lado na versão em vinil, para mim, é fácil dividir as canções do disco em “duplas”, com posições quase equivalentes na ordem das músicas dos lados A e B. Abrindo o LP, temos a faixa título, um potente hard rock que pode ser considerado um legítimo sucessor de “Man on the Silver Mountain”, que também abria o primeiro registro do grupo, embora seja mais rápida (e mais “simples”, a meu ver) que sua antecessora. A música se tornou um hino na carreira da banda, sendo executada em praticamente todos os shows do Rainbow dali em diante, independentemente de quem fosse o cantor na ocasião. Já a abertura do lado B traz outro clássico do grupo, na forma de “Kill the King”, composição que também abria On Stage, e que, em sua versão de estúdio, sempre me soou mais “pálida” em relação à versão ao vivo do disco anterior. Apesar de bastante rápida, neste disco, a velocidade do arranjo me parece um pouco menor, e fazem falta as linhas de teclado que aparecem no disco ao vivo, com os melhores momentos do instrumento sendo substituídos por linhas da guitarra de Blackmore, o que não é de forma nenhuma ruim, mas me soa menos interessante que os “duelos” entre os instrumentos demonstrados na versão ao vivo.
A segunda faixa do lado A, “Lady of the Lake”, e a terceira do lado B, “Sensitive to Light”, parecem apontar para a sonoridade mais “americanizada” e “comercial” que Ritchie imporia ao grupo nos anos seguintes. Ambas não tem muitas variações nos arranjos, e são bem menos complicadas do que outras faixas da carreira do grupo até então, além de possuírem refrães bastante “acessíveis”, que parecem destinados a agradar mais ao público “médio” das FMs americanas de então do que ao público fiel da banda (ainda que a primeira conte com um interessante solo ali pelo meio, e a segunda ser um pouco mais veloz do que o usual para as músicas “populares” das rádios da época).
Invertendo as posições na ordem do vinil, a terceira faixa do lado A, “L.A. Connection”, e a segunda faixa do lado B, “The Shed (Subtle)”, já me soam mais características da sonoridade tradicional do Rainbow. “L.A. Connection”, que viria a ser o segundo single do álbum, apesar de seu riff repetitivo e de seu andamento mais cadenciado, não soa deslocada em relação ao estilo dos álbuns anteriores do grupo britânico, e, a meu ver, com um pouco mais de “peso” nas guitarras e um solo diferente, não soaria estranha no meio das faixas que Dio viria a gravar posteriormente com o Sabbath ou mesmo nos primeiros discos de sua carreira solo (a faixa ainda conta com algumas linhas de piano na sua parte final, em uma das poucas participações efetivas de David Stone no álbum, visto que ele também registrou os teclados, além desta música, apenas em “Gates of Babylon”, “Kill the King” e “The Shed”, com Tony Carey sendo o responsável pelas teclas na faixa título, em “Lady of the Lake” e em “Rainbow Eyes”, e Bob Daisley tendo gravado o baixo apenas em “Gates of Babylon”, “Kill the King” e “Sensitive to Light”, com as demais linhas do instrumento sendo todas registradas por Blackmore). Já “The Shed (Subtle)” tem uma introdução na guitarra que lembra algumas coisas que Ritchie fazia no palco desde seus tempos no Deep Purple, com o riff da canção sendo um dos melhores do disco, e a condução de Powell ganhando destaque ao longo da duração da faixa, em uma canção que, para mim, merecia um reconhecimento muito maior tanto por parte dos fãs quanto da própria banda, pois eu, pelo menos, desconheço que tenha sido interpretada ao vivo alguma vez depois de lançada.
Ao final de cada lado do LP, temos os dois épicos do disco. Fechando o lado A, vem “Gates of Babylon”, a única faixa composta depois daquelas demos de julho de 1977, sendo possivelmente a música mais complexa musicalmente já composta pela banda (visto “Difficult to Cure” ser baseada na nona sinfonia de Beethoven), a qual conta com a participação especial da orquestra Bavarian String Ensemble, que acrescenta um toque “clássico” à esta gravação, fazendo-nos lembrar de “Stargazer”, épica composição presente no álbum anterior (que também contava com uma orquestra), e da qual este clássico pode ser considerado um legítimo sucessor. Encerrando o lado B (e também o disco), vem a baladaça “Rainbow Eyes”, uma linda faixa com a presença de um quarteto de cordas e de uma flauta (tocada pelo músico alemão Rudi Risavy, que possui uma carreira como violinista e flautista que eu, honestamente, desconheço), a qual pode ser considerada sucessora direta de “Catch the Rainbow”, do primeiro disco da banda (embora algo em seu arranjo sempre tenha me remetido a outra faixa deste disco, no caso, “The Temple of the King”).
A arte da capa, feita pela artista britânica Debbie Hall, traz um desenho do quinteto na formação que excursionou para sua promoção, e, na parte interna, temos a imagem que abre esta matéria, onde se vê alguns membros da plateia de um show segurando um cartaz onde se lê o título do disco (foto esta que, na verdade, vem de um show do Rush, com a imagem original do cartaz sendo substituída pela frase “Long Live Rock ‘n’ Roll”, e as camisetas dos fãs dos canadenses pintadas de preto para não “entregar” o engodo). Long Live Rock ‘N’ Roll foi relançado algumas vezes, com destaque para a edição deluxe de 2012, que traz versões com mixagens “cruas” para as sete demos gravadas antes do lançamento de On Stage (onde Ritchie se encarregou de todos os baixos, e cujas maiores diferenças estão na falta do solo de guitarra em “The Shed”, na ausência da orquestra e na presença de diferentes linhas de flauta em “Rainbow Eyes”, e na presença de uma calma introdução feita nos teclados em “Lady of the Lake”, a qual acabou de fora da versão final da faixa), além de versões de ensaio para a faixa título e para “Kill the King”, e de três faixas (e dois outtakes) do disco gravadas para o então popular programa de TV norte-americano Don Kirschner Show em maio de 1978, onde a banda fez “playback” nas partes instrumentais, com apenas Dio cantando “ao vivo” realmente.
A turnê de promoção do álbum levou o Rainbow para sua maior excursão pelos Estados Unidos, onde a banda se apresentaria mais de 40 vezes ao longo de 1978, sendo que a obsessão de Blackmore de conquistar este mercado levaria o quinteto a abrir mão de fazer uma excursão possivelmente esgotada pelo Japão para se dedicar ao público norte-americano, mesmo que, na maioria das vezes, servindo como grupo de abertura para bandas como Cheap Trick ou REO Speedwagon. Ainda em 1978, os primeiros encontros para composição do quarto disco deixaram escancaradas as divergências musicais e pessoais entre o guitarrista e Ronnie James Dio, com o cantor saindo (ou tendo “sido saído”) do grupo ainda naquele ano (para depois ir se juntar ao Black Sabbath em 1979). David Stone e Bob Daisley também foram “convidados a se retirar” por Ritchie, e foi uma banda totalmente reformulada (tanto em seus componentes quanto musicalmente) que viria a gravar o sucessor de Long Live Rock ‘N’ Roll, que, como já escrevi, ainda é, para mim, o registro mais “fraco” da “fase Dio” do Rainbow, mas que, comparado ao que veio depois, fica, certamente, nas primeiras posições de uma hipotética lista de “melhores álbuns” desta grande banda britânica. Se ainda não o fez, ouça e confira!
Track list da versão em vinil:
Lado A
1. Long Live Rock ‘N’ Roll
2. Lady Of The Lake
3. L.A. Connection
4. Gates Of Babylon
Lado B
1. Kill The King
2. The Shed (Subtle)
3. Sensitive To Light
4. Rainbow Eyes
Segundo CD da versão deluxe de 2012:
1. Lady of the Lake – Rough mix, 4 July 1977
2. Sensitive to Light – Rough mix, 4 July 1977
3. L.A. Connection – Rough mix, 4 July 1977
4. Kill the King – Rough mix, 4 July 1977
5. The Shed (Subtle) – Rough mix, 4 July 1977
6. Long Live Rock ‘n’ Roll – Rough mix, 4 July 1977
7. Rainbow Eyes – Rough mix, 4 July 1977
8. Long Live Rock ‘n’ Roll – Shepperton Film Studios rehearsal, August 1977
9. Kill the King – Shepperton Film Studios rehearsal, August 1977
10. Long Live Rock ‘n’ Roll – Live on the Don Kirschner Show, May 1978
11. L.A. Connection – Live on the Don Kirschner Show, May 1978
12. Gates of Babylon – Live on the Don Kirschner Show, May 1978
13. L.A. Connection – Outtake from the Don Kirschner Show, May 1978
14. Gates of Babylon – Outtake from the Don Kirschner Show, May 1978
“Long Live Rock’n’Roll” é um daqueles discos que fariam bonito na discografia de um monte de bandas, mas como o Rainbow gravou coisa melhor, ele acaba ficando meio injustiçado. “Sensitive to Light” e “L. A. Connection” são, para mim, as menos destacadas, sem serem músicas ruins. Bom ver mais alguém que como eu coloca “The Shed (Subtle)” em alto grau de apreciação!