Deep Purple – =1 [2024]
Por Marcello Zapelini
Uma banda que dispensa apresentações (se você precisa de uma, procure no site porque tem bastante coisa interessante sobre eles nos arquivos da Consultoria), e uma das minhas favoritas desde 1985, quando comprei o Made in Japan. E uma banda que se recusa a morrer, mesmo perdendo mais um de seus músicos, no caso, Steve Morse, que saiu para se dedicar a cuidar da esposa doente (que infelizmente veio a falecer pouco depois). A saída de Morse era preocupante, pois ele foi o principal responsável pelo renascimento do grupo após a saída definitiva de Ritchie Blackmore. Mas o grupo deu a volta por cima e lançou um novo álbum.
Este =1 (“everything equals one”) é o 23º disco de estúdio do grupo, e o primeiro álbum com o guitarrista Simon McBride, que se junta a Ian Gillan, Roger Glover, Ian Paice e Don Airey em mais um álbum produzido por Bob Ezrin (que também assina as canções em coautoria com os cinco músicos), que revitalizou a carreira do grupo em 2013 com o ótimo Now What?!, e, considerando a idade dos rapazes (à exceção do próprio McBride), pode ser o último. Se for, a banda terá se despedido bem; se não for, espero que continuem nos brindando com músicas boas como as que povoam este disco.
=1 começa com a guitarra e os teclados num crescendo, até a voz de Gillan começar uma canção razoavelmente pesada, “Show Me”. Impossível não lembrar daquele crescendo que inicia “Highway Star” do Made in Japan, mas um bom começo. O peso continua com “A Bit on the Side”, em que Ian Paice mostra que o peso e a técnica não diminuíram nem com a idade, nem com o AVC que sofreu alguns anos atrás. Airey e McBride se destacam com bons solos, e Gillan, mesmo sendo uma sombra do que foi, ainda canta melhor do que muita gente boa por aí. “Sharp Shooter” me lembra um pouco o andamento de “Into the Fire”, do clássico In Rock, e mantém o disco em alto astral, e novamente Airey e McBride se mostram bem entrosados (aliás, o guitarrista já acompanhava o tecladista em seus discos-solo). Na sequência, “Portable Door” me traz à mente “Pictures of Home”, embora com um riff menos elaborado; Gillan tem um de seus melhores desempenhos recentes nessa música, e Don Airey mais uma vez comprova que ele era a escolha certa para substituir Jon Lord, destacando-se no órgão.
“Old Fangled Thing” é divertida e descontraída, e novamente os dois Ian estão muito bem, com Paice quebrando a marcação em alguns momentos e Gillan variando um pouco a voz. A sexta música é a bonita balada “If I Were You”, reduzindo o peso do disco; em minha opinião, faltou um refrão mais elaborado, à altura das belas guitarras de Simon McBride, que em alguns momentos remete ao grande Morse. O final com a orquestra ficou muito bonito, aliás.
“Pictures of You” é um pouco mais pesada do que a anterior, e embora tenha sido uma das primeiras composições do disco a serem trabalhadas, não chega a ser um destaque para mim – mas o fim é muito interessante! “I’m Saying Nothing” está tão “colada” em “Pictures of You” que parece uma sequência, mas está mais próxima do clima descontraído de “Old Fangled Thing”; é outra música que não compromete, mas também não chama muito a atenção, apesar de outro bom duelo entre Airey e McBride e do esforço de Ian Gillan. Mas logo depois vem a ótima “Lazy Sod”, que recoloca o disco nas alturas (Gillan escreveu a letra para tirar sarro dos outros, que reclamavam que ele não estava demorando para compor as letras para as músicas), que tem um clip simples e eficiente, centrado nos velhinhos vestidos de preto; Simon faz o que provavelmente é seu melhor solo do disco, e Don Airey também tem seu momento de brilho no órgão. “Now You’re Talkin’” é a mais acelerada do disco, e me lembra um pouquinho “Bananas”, do malfadado disco de vinte anos atrás (um dos mais criticados da carreira do grupo, ainda que eu goste).
“No Money to Burn” reduz um pouco o ritmo, e seu riff executado em uníssono por Simon e Don é a primeira coisa a chamar a atenção até chegar os solos, mais uma vez começando com a guitarra e terminando com o órgão. Outra balada, “I’ll Catch You”, vem na sequência, com Airey no piano elétrico; embora seja uma das músicas mais curtas do disco, é outro destaque absoluto, em que a guitarra bluesy de McBride quase chora. “Bleeding Obvious” encerra o álbum em alto nível, em especial com o solo do estreante Simon McBride.
Aliás, sobre o guitarrista: ele pode não ter a técnica apurada de Steve Morse, mas é suficientemente habilidoso para se sair bem e empresta mais peso às músicas do Purple.
Desde 2018, o Deep Purple é dado como morto e reaparece; Infinite parecia fechar a porta para o grupo, que completava 50 anos desde seu primeiro álbum. Whoosh, encerrando com uma nova versão para “And the Address”, que abria o Shades of Deep Purple, soava como fim da linha. O disco de covers Turning to Crime sinalizava uma banda sem mais nada a dizer. Mas este =1 mostra que o grupo ainda consegue criar novas músicas interessantes. Ao vivo, quem assistiu o show do Rock in Rio percebe que Ian Gillan, se ainda consegue soar bem em estúdio, já não consegue mais segurar a peteca como seus colegas, mas há que se louvar a bravura em manter o grupo em funcionamento.
=1 está vendendo menos do que Whoosh, disco anterior do grupo (se descontarmos o álbum de covers Turning to Crime), mas não é nenhum fracasso comercial; artisticamente, há quem o considere o melhor disco do grupo desde Perfect Strangers, e embora não esteja à altura dos clássicos dos anos 70, mostra que a banda ainda é capaz de gravar boas músicas. É pena que, se a banda continuar, boas músicas como “Portable Door”, “Lazy Sod” e “Bleeding Obvious”, que tem sido executadas nos shows da turnê atual, irão desaparecer do setlist para que Ian Gillan comprove pela 647ª vez que ele não consegue mais cantar “Space Truckin’”…
Track list
- Show Me
- A Bit On The Side
- Sharp Shooter
- Portable Door
- Old-Fangled Thing
- If I Were You
- Pictures Of You
- I’m Saying Nothin’
- Lazy Sod
- Now You’re Talkin’
- No Money To Burn
- I’ll Catch You
- Bleeding Obvious
Deep Purple larguei desde a apresentação que a banda fez em porto alegre em 2005. Nunca curti a fase Morse e nem me interessei em ver os caras no RIR. Ouvi o disco de covers por curiosidade e a decepção foi gigante. Gillan se entregou há tempos, e mesmo a bela resenha do Marcello não me atiçou a passar a audição aqui.
Obrigado pelo comentário, Mairon! Acho que o “=1” tem um atrativo para despertar a curiosidade, que é a guitarra mais bluesy do Simon McBride; adoro o Steve Morse e acho que ele deu uma injeção de ânimo na banda, mas o som mais fusion dele às vezes destoava do resto do grupo (acho que foi um experimento interessante, e o grupo progrediu, pois os três últimos discos – descontando o “Turning to Crime” – foram bem interessantes, mas chegou ao fim). E nesse disco atual o grupo tenta soar mais “passado” do que presente, mas ainda assim ficou com cara do Purple moderno. A única coisa para mim que não soou muito bem é a arte da capa, primária demais para um disco que no final das contas ficou bom.