1914 – Where Fear And Weapons Meet [2021]

1914 – Where Fear And Weapons Meet [2021]

Por Fernando Bueno

Em qualquer definição para o termo black metal os termos relacionados ao satanismo e sentimento anticristão são bastante presentes. A definição do estilo surgiu com o álbum de mesmo nome do Venom em 1982 e desde então se tornou um importante subgênero dentro do metal. Portanto é estranho quando relacionamos o termo black metal à uma banda que tem como temática algo muito mais mundano, terreno, de certa forma um diferente tipo de inferno: os horrores de uma guerra. E no caso do 1914, a Primeira Guerra Mundial, a Grande Guerra ou mesmo a ‘Guerra para acabar com todas as guerras’.

Assim como o Ex Deo que tem temática única, no caso o Império Romano, o 1914 tem seus três discos dedicados apenas à primeira guerra. E é incrível como tudo o que eles incorporam a sua música cabe perfeitamente com essa temática. Como falei o estilo musical principal do 1914 é mesmo o Black Metal, com seus riffs alternados, velocidade, vocal agressivo e todos os outras características do gênero, mas é simplista dizer que apenas black metal está presente em suas músicas, Death, Thrash, Doom e até música tradicional, não-metal, aparece eventualmente.

Where Fear And Weapons Meet é o terceiro álbum dos ucranianos, recém-lançado no Brasil, que dá sequência ao ótimo The Blind Leading the Blind (2018), altamente recomendável também. Somente seu disco de estreia Eschatology of War de 2015 é um pouco abaixo da qualidade dos dois álbuns seguintes.

O trabalho gráfico já nos coloca no clima de tudo com a foto dos integrantes na melhor maneira daquelas fichas cadastrais de soldados. Os nomes dos integrantes, ucranianos, quase impronunciáveis, traz patente militar, número do pelotão e até a função que cada um teria dentro da hipotética “tropa”. Mas quando o disco começa que temos a real dimensão de tudo isso. A faixa inicial, “War In”, traz uma música de época, como certamente tocava nos rádios dos quartéis ou nas próprias trincheiras. Se você estiver ouvindo com atenção e com o encarte nas mãos você vai ser imediatamente transportado para aquele evento histórico.

A primeira faixa de fato trata dos assassinatos de Franz Ferdinand, arquiduque da Áustria, e sua esposa que foi o estopim para o início dessa guerra, realizado em Sarajevo, capital da província austro-húngara da Bósnia e Herzegovina. O nome da faixa, “FN .380 ACP#19074” remete ao tipo de arma utilizado no assassinato do arquiduque, uma pistola belga FN Model 1910, calibre .380. A letra é do ponto de vista do assassino. As orquestrações dão grandiosidade para a faixa que é tudo aquilo que o black metal se propõe em sua melhor forma. A segunda faixa é também bastante especial. “Vimy Ridge (In Memory of Filip Konowal)” é uma carta ou relatório feito por um soldado canadense que conta os acontecimentos durante uma missão de conquista de uma localidade (Vimy Ridge). O objetivo era controlar o armamento do local, porém, como se deve imaginar, a base de muitas perdas.

As faixas seguintes também seguem a mesma maneira das anteriores sendo relatos pessoais de indivíduos sobre eventos singulares dentro da guerra toda. “Pillars of Fire (The Battle of Messines)” desenvolve a narrativa de uma batalha específica onde dez mil pessoas morreram, enquanto “Don’t Tread On Me (Harlem Hellfighters)” traz a história de soldados que saíram de guetos do Harlem e foram enviados para a França. A trecho ‘do Harlem para a França, do gueto para as trincheiras, e honestamente, aqui é não muito diferente’ é bastante significativo.

Em “Coward” a primeira participação especial do álbum. E que participação! O músico ucraniano Sasha Boole, parceiro de Adam Darski, mais famoso sob o nome de Nergal, no Me and That Man. Nessa faixa Boole toma conta sozinho apresentando com voz e banjo uma canção no estilo da música tradicional trazida por imigrantes do norte da Inglaterra para os EUA que se estabeleceram na região dos Apalaches. Essa quebra completa de estilos musicais no meio do álbum pode parecer apenas uma excentricidade, mas faz o ouvinte entrar ainda mais no clima que os músicos querem apresentar.

Na questão lírica a música “…And A Cross Now Marks His Place” é a que mais chama atenção, já que é uma daquelas cartas que o governo enviava para os pais informando da morte do filho. Apesar de tentar ser condescendente ela mais justifica a operação, querendo mostrar o quanto aquela missão era importante do que lamentar a morte da pessoa. A carta também é real, como todas as que foram usadas no disco, e tem nome e todas as informações do soldado. Nessa faixa mais uma participação especial, dessa vez de Nick Holmes do Paradise Lost.

Em “Corps D’Autos-Canons-Mitrailleuses (A.C.M.)” um grupo de soldados belgas que foram “doados” pelo Rei Albert da Inglaterra para o czar Nicolau. Eles combatem ao lado dos russos por dois anos até a revolução bolchevique em que eles são abandonados pelos até então companheiros. Conseguem chegar aos Estados Unidos onde são tratados como heróis até conseguiram volta para a casa. Indo para o outro lado da guerra “Mit Gott Für König Und Vaterland” (ou Com Deus como Rei e Pátria) descreve a tomada do forte Douaumont por um destacamento de explosivos alemão.

Na longa faixa final “The Green Fields of France” um soldado sentado ao lado de uma lápide conversa com o “morador” do local sobre a morte e as circunstâncias em que ela veio. Comenta sobre o andamento e a finalidade da guerra, praticamente um resumo de tudo o que foi narrado ao longo do álbum todo. Para finalizar “War Out” traz um trecho do poema cantado “The Last Long Mile” de Charles Hart, num estilo musical britânico do começo do século 20. Tanto “War In” quanto “War Out” fazem abertura e fechamento dos outros discos do 1914.

Esse foi o último disco lançado pelos ucranianos. Não dá para saber se essa longa ausência tem a ver também com a guerra, dessa vez contra seu próprio país, invadido pela Rússia do autocrata Vladimir Putin em 2022. É esperar que o álbum anterior também seja lançado aqui no Brasil, quem sabe até o primeiro. Na busca por informações da banda apareceram para mim outros dois grupos que praticam o mesmo tipo de som com o mesmo tipo de enfoque. São eles o Minenwerfer (ouça Nihilistischen de 2012) e o Kanonenfieber (Die Urkatastrophe é o álbum lançado ano passado).

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