Cinco Discos Para Conhecer: Raphael Rabello

Por Mairon Machado
Em 27 de abril de 1995, fazendo exatos 30 anos no próximo domingo, o Brasil perdia um de seus maiores talentos, Raphael Rabello. A causa da morte foi arritmia cardíaca, seguida de parada respiratória aguda. Ele tinha apenas 32 anos (nasceu em 30 de outubro de 1962, em Petrópolis), e vivia o auge de sua carreira como violonista. Raphael foi responsável por inovar a arte do violão de 7 cordas no Brasil, a qual havia sido criada por nomes como Tute, Dino 7 Cordas ou Paulão 7 Cordas, e acabou influenciando uma leva de novos nomes, tais como Alessandro Penezze, Fernando Cesar, e principalmente, Yamandú Costa.
Aos 14 anos estreia em estúdio acompanhando nada mais nada menos que Turíbio Santos, no álbum Choros do Brasil, e em seu pouco tempo de vida, Raphael lançou uma série de álbuns fantásticos, além de participar de diversos outros discos e canções igualmente fantásticos, acompanhando nomes do calibre de Chico Buarque, Nara Leão, Radamés Gnatalli, Maria Bethânia, Dona Ivone Lara, Hermeto Pascoal, Paulinho da Viola, Clara Nunes, e por aí vai. Foi difícil selecionar apenas cinco discos, mas trago aqui aquelas que considero suas principais obras.
Sete Cordas [1982]
A estreia oficial de Rafael é com ele se auto-batizando Rafael Sete Cordas, e claro, chocando o Brasil pela tamanha capacidade técnica advinda de um rapaz tão jovem. Com apenas 19 anos, Rafael se aventura na música nacional apresentando sua técnica ainda tímida, mas em evolução, mas fazendo estripulias com as gingadas canções de João Pernambuco “Interrogando” e “Sons de Carrilhões”, trazendo uma brasilidade bem representativa para o choro nacional, mas com pitadas de virtuosismo ainda não ouvidas dentro desta cena musical. Por outro lado, o menino compôe “Sete Cordas”, uma singela peça que tem toda a embrionidade do que Raphael viria a se tornar anos depois. Ao mesmo tempo, o guri brilha no violão clássico de Agustin Barrios em “Choro da Saudade” e no dificílimo “Estudo de Concerto”, canção para poucos se aventurarem em tentar tocar sem se embananar com a velocidade empregada nas cordas, ou nas delicadas peças “Por Um Momento Antigo” e “Yeda”, carregadas de sentimento através das cordas do violão. Quer ver o que Raphael era capaz de fazer tão jovem, tente acompanhar o complexo dedilhado de “O Vôo da Mosca” (Jacob do Bandolim). Ainda havia muito para evoluir, mas perto de tantos músicos, o jovem Rafael Sete Cordas já estava arregaçando aqui.
Raphael “Rafael 7 Cordas” Rabello (violão de 7 Cordas)
1. Sons De Carrilhões
2. O Vôo Da Mosca
3. Vivo Sonhando
4. Choro Da Saudade
5. Garoto
6. Sete Cordas
7. Interrogando
8. Estudo De Concerto
9. Gracioso
10. Por Um Momento Antigo
11. Praça Sete
12. Yeda
À Flor Da Pele [1990]
Eu já conhecia Raphael Rabello, mas ao ouvir esse disco, meu mundo caiu. Aqui para mim é o auge da carreira do rapaz. Sozinho, ele conduz a doce voz de Ney por clássicos da música nacional. O rapaz passou a acompanhar Ney justamente no momento de transição do ex-Secos & Molhados, no ótimo álbum Pescador de Pérolas (1987), ao lado de grande banda. Mas foi como dupla que saiu um disco atemporal. Os arranjos para faixas de Ary Barroso (“No Rancho Fundo” e “Na Baixa do Sapateiro), Chico Buarque (“Retrato Em Branco E Preto”) e Noel Rosa (“Três Apitos” e “Último Desejo”), entre outros, transformaram totalmente grandes clássicos, dando uma dramaticidade/suavidade única para cada canção. Claro que as interpretações de Ney são um show a parte, vide “Caminhemos/Segredo”, “As Rosas Não Falam” ou “Da Cor Do Pecado”. Mas ouvir o que Rafael (como é grifado na capa) faz aqui é um daqueles momentos especiais da vida. Preste atenção no trêmolo de “No Rancho Fundo”, no ritmo inebriante de “Vereda Tropical”, ou simplesmente deixe o disco rodar e admire dois artistas inspiradíssimos. O grande sucesso ficou a cargo de “Balada do Louco” (Os Mutantes), a qual acabou virando um dos marcos na carreira de Ney. As faixas de Cartola (“As Rosas Não Falam” e “Modinha”) inspiraram o matogrossense a fazer outro álbum seminal anos depois (Interpreta Cartola). Aqui, temos uma das obras-primas da Música Popular Brasileira. Sem dúvidas, os dois criaram um disco sem igual.
Ney Matogrosso (vocais), Raphael Rabello (violão)
1. Modinha
2. Retrato Em Branco E Preto
3. Molambo
4. Da Cor Do Pecado
5. No Rancho Fundo
6. Último Desejo
7. Na Baixa Do Sapateiro
8. As Rosas Não Falam
9. Autonomia
10. Três Apitos
11. Caminhemos / Segredo
12. Negue
13. Vereda Tropical
14. Balada Do Louco
Raphael Rabello & Dino 7 Cordas [1991]
A união de dois gigantes em um único álbum é algo comum no mundo da música, mas unir Dino 7 Cordas e Raphael Rabello, dois gigantes do violão brasileiro, foi algo incrível. Afinal, Raphael sempre disse que sua maior influência era exatamente Dino. Recheado de belos sambas e chorinhos arranjados por ambos, a dupla manda ver. Em quatro faixas (“1 x 0”, “Conversa de Botequim”, “Graúna” e “Segura Ele”), a dupla é acompanhada por um trio de pandeiro, cavaquinho e percussão, mas são nas faixas onde somente os violões foram registrados que a música deste álbum se sobressai. Ouvir “1 x 0”, de Pixinguinha, ou “Escovado”, de Ernesto Nazareth, são pequenas amostras de como dois gigantes podem dialogar sem querer ser maior um que o outro. Destaques especiais para “Alma de Violinos”, onde é nítido quanto Raphael era talentoso, e com uma sobreposição dos violões tendo um charme todo especial, a excêntrica e estonteante “Desvairada”, na qual Raphael é responsável pelo solo impossível de ser reproduzido em tal velocidade por um ser humano normal, e o excepcional arranjo para “Sons de Carrilhões”. Raphael ainda nos presenteia tocando sozinho (e fazendo misérias) na complexa “Odeon”, simplesmente destruindo – quando o trêmolo começa, puta merda, é de chorar. Todo o disco na verdade é uma grande arte para ser admirada. Como Sergio Cabral exalta no texto de apresentação, o disco que reúne os violonistas Dino e Raphael Rabello é um capítulo tão importante na história da fonografia brasileira que não tenho como considerá-lo histórico, do nível de uma hipotética união entre Noel Rosa e Chico Buarque. Discaço
Dino 7 Cordas (violão de 7 cordas), Raphael Rabello (violão)
Convidados: Jorginho do Pandeiro (pandeiro, faixas 1, 5, 8 e 10)
Neco do Cavaquinho (cavaquinho faixas 1, 5, 8 e 10)
Celso Silva (cacheta, tamborim, agogô e reco-reco faixas 1, 5, 8 e 10)
1. Conversa De Botequim
2. Jongo
3. Escovado
4. Alma De Violinos
5. “1 X 0” (Um A Zero)
6. Odeon
7. Sons De Carrilhões
8. Segura Ele
9. Desvairada
10. Graúna
11. Sonho De Magia
Todos Os Tons [1992]
Provavelmente o disco de maior sucesso na carreira de Raphael, aqui o violonista emprega todo seu talento e virtuosismo para recriar obras de Tom Jobim. Todas as faixas trazem a genialidade de Tom sendo colocada à prova pela genialidade de Raphael, que simplesmente faz clássicos do carioca renascer através de suas mãos. Assim, ele faz versões solo inovadoras para “Modinha”, de chorar a cada nota extraída do violão, e “Luiza”, empregando técnicas de harmônicos, arpejos e trêmolo como poucos, ou acompanhado com banda para “Passarim”, “Garota de Ipanema”, “Garoto”, essa com o próprio Tom ao piano, duelando com o violão de Raphael, entre outros, sempre com um virtuosismo raro, mantendo as linhas melódicas dos vocais originais mas trazendo todo o seu único e exclusivo talento para essas obras de arte já atemporais desde suas concepções. Como não se emocionar ao ouvir o que é feito em “Retrato Em Branco E Preto”, ainda mais com a presença do cello de Jaques Morelenbaum e do piano de Luiz Avelar, ou com a complexa sutileza de “Pois É”, uma das letras mais doloridas de Tom, e que ganha ainda mais dramaticidade na recriação feita por Raphael, acompanhado pelo saxofone de Paulo Moura e o baixo de Nico Assumpção? O grande destaque vai para o arranjo flamenco de Paco de Lucia para “Samba do Avião”, que simplesmente desconstrói esse clássico de Tom, reconhecível pela melodia vocal feita pelos violões mas com uma base extremamente complexa, na qual os solos de Raphael e de Paco são arrepiantes. Mesmo que você não goste das músicas de Tom, ouça, pois é a história da Música Popular Brasileira sendo refeita através das mãos de Raphael. Que lindeza!
Raphael Rabello (violão de 7 cordas, violão)
Paco de Lucia (violão em 1)
Dininho (baixo de 5 cordas em 1, 2, 3 e 7)
Paulinho Braga (bateria em 1)
Mamão (bateria em 2, 3)
Marçalzinho (percussão em 1)
Luiz Avelar (piano em 4 e 7)
Jaques Morelenbaum (cello em 4)
Luizão Maia (baixo de 5 cordas em 6)
Wilson das Neves (bateria em 6 e 8)
Nico Assumpção (baixo de 6 cordas em 8 e 9)
Tom Jobim (piano em 8)
Leo Gandelman (Saxofone soprano em 8)
Paulo Moura (Saxofone Alto em 9)
1. Samba Do Avião
2. Samba De Uma Nota Só
3. Passarim
4. Retrato Em Branco E Preto
5. Modinha
6. Garota De Ipanema
7. Anos Dourados
8. Garoto
9. Pois É
10. Luiza
Bate Outra Vez … [1992]
Este compilado especial da Som Livre em homenagem à Cartola trouxe para os fãs interpretações emocionantes de gigantes da MPB para sambas do famoso compositor carioca. Entre nomes como Gal Costa, Paulinho Da Viola e Nelson Gonçalves, Rafael (novamente grifado com F) surge acompanhando Beth Carvalho, Caetano Veloso, Cazuza e Luiz Melodia, em quatro canções excepcionais. Com Beth, Raphael manda o gingado de “O Sol Nascerá (A Sorrir)”, faixa onde seu violão tem a destacada companhia de Cristóvão Bastos ao piano. Rildo Hora abrilhanta com sua harmônica a linda interpretação de Cazuza para “O Mundo É Um Moinho”, na qual Raphael executa um dedilhado primoroso. Com Caetano e Luiz Melodia, Raphael surge sendo o responsável único por conduzir as vozes desses gigantes em “Acontece” e “Cordas de Aço” respectivamente. Na primeira, enquanto Caetano entrega seu estilo vocal único para uma das melhores obras de Cartola, Rafael simplesmente derrama-se sobre o violão, em uma arte totalmente a parte e lindíssima, daquelas de parar o que está fazendo apenas para apreciar. Já em “Cordas de Aço”, Rafael faz ao violão toda a homenagem que esta linda letra de Cartola exalta ao instrumento. Espetacular! Uma bela coletânea para se iniciar na arte de Cartola de um jeito diferente, e apreciar todo o talento não só de Rafael, mas dos músicos que participam aqui, listados abaixo.
Raphael Rabello (violão em 6, 7, 8 e 11)
Cesar Camargo Mariano (piano em 1 e 5)
Cristóvão Bastos (piano em 3 e 6)
José Menezes (bandolim em 4, cavaquinho em 12)
Dino 7 Cordas (violão de 7 Cordas em 4, 10 e 12)
Milton Manhães (pandeiro em 4 e 12)
Paulo Moura (saxofone em 5 e 10)
Rildo Hora (gaita em 7)
Eduardo Souto Neto (piano em 9)
1. As Rosas Não Falam (Gal Costa)
2. Amor Proibido (Paulinho Da Viola E Elton Medeiros)
3. Disfarça E Chora (Leila Pinheiro)
4. Minha (Zeca Pagodinho)
5. Autonomia (Paulo Ricardo)
6. O Sol Nascerá (A Sorrir) (Beth Carvalho)
7. O Mundo É Um Moinho (Cazuza)
8. Acontece (Caetano Veloso)
9. Corra E Olhe O Céu (Vânia Bastos)
10. Peito Vazio (Nelson Gonçalves)
11. Cordas De Aço (Luiz Melodia)
12. Tive Sim (Dona Ivone Lara)