Datas Especiais: 40 anos de Three Friends (Gentle Giant)
Por Mairon Machado
Apesar da incrível técnica de seus músicos, e da inquestionável qualidade musical gerada nos dois LPs de estreia, o então sexteto Gentle Giant, formado pelos irmão Shulman (Ray – baixo, violino, trompete, violões, flauta, voz; Derek – vocais, baixo, percussão, violões, flauta; e Philip – saxofones, vocais, flauta) mais Kerry Minnear (teclados, percussão, xilofone, vibrafone, flauta, vocais), Gary Green (guitarra, violões, voz) e novato Malcolm Mortimore (bateria, percussão), que substituiu Martin Smith nas baquetas, eram vistos mais pela arrogância e prepotência de serem diferentes dos outros grupos de rock do que pela competência que os tornavam tão diferentes.
Gentle Giant ao vivo em 1971 |
Como vocês podem ver, a principal característica do grupo era a versatilidade, já que todos tocavam vários instrumentos (e muito bem, diga-se de passagem). Outro fato relevante para a carreira do Gigante Gentil ser diferente era o de fazer músicas extremamente complexas (como seus colegas proggers) mas sem serem longas. A maioria das canções do grupo beira os seis minutos, e você jamais irá encontrar uma suíte ocupando um lado inteiro de um vinil.
Mas ser diferente não significava dinheiro nos bolsos, e de alguma forma, era necessário que um passo grande (para não dizer gigante) tivesse que ser dado e colocasse o sexteto no lugar que lhe estava destinado. Foi assim que nasceu a ideia de criar um dos mais interessantes álbuns conceituais do rock progressivo, Three Friends, o qual está completando 40 anos de seu lançamento hoje, 14 de abril.
A história do álbum narra os dias de três amigos que passam a infância muito unidos, mas que por diferentes situações e fatos, acabam tendo suas vidas separadas, com cada um deles seguindo um caminho bem distinto um do outro, atribuídos ao destino, habilidade e a oportunidade. Musicalmente, a complexidade do Gentle Giant acaba não sendo tão testada, e o disco soa como uma espécie de Fragile (lançado pelo Yes em 1971) do Gentle Giant, pois cada música destaca um solo individual de um integrante do grupo, o que torna as canções de Three Friends mais atraentes.
Além da necessidade, a imensa turnê abrindo para o Jethro Tull no início de 1972, bem quando a trupe de Ian Anderson estava completando a obra-prima Thick as a Brick, serviu para influenciar ainda mais o Gigante a dar uma guinada rumo a terrenos mais acessíveis, em solos mais firmes onde ele pudesse caminhar soberano. Essa influência gerou um álbum muito criativo, com estilos diferentes caracterizando as vidas dos três personagens principais da história.
A capa-dupla americana de Three Friends |
O LP abre com “Prologue”, tendo a longa rufada de Mortimore, trazendo o tema marcado da guitarra, enquanto piano e baixo fazem a base cadenciada que é acompanhada pela sutil levada da bateria. Minnear passa a fazer o tema da guitarra no sintetizador, junto com a guitarra, durante a segunda estrofe, e a terceira estrofe tem o tema feito com moog, guitarra e sintetizador. Essa parte da canção é realmente uma abertura, contando como os amigos se conhecem na escola e como irão ser separados por causa dos fatores citados acima.
Vozes sobrepostas do tecladista, pulando de um canal para outro, formam as primeiras frases da letra. Minnear também é responsável por criar mais um tema intrincado nos sintetizadores, entoando a letra como um poema, tendo ao fundo apenas batidas suaves nos pratos. O tema introdutório de guitarra e xilofone é repetido, e Kerry volta a saltar de um canal para o outro com sílabas que formam as palavras da letra da canção. O tema intrincado retorna, com a melodia vocal acompanhada pelo piano elétrico, e com uma energética sessão de baixo, de onde explodem as violentas batidas nos pratos que acompanham os sinistros acordes de mellotron e piano.
Saxofone, órgão e bateria fazem o tema da ponte central, e Derek continua a letra da canção, voltando para mais uma ponte instrumental, onde o saxofone destaca-se. Outro belo momento jazzístico é apresentado, com uma intrincada sessão de baixo e guitarra, e com o saxofone, órgão e guitarra executando um pequeno duelo que é o acompanhamento do bonito solo de órgão da canção. Este solo possui um fabuloso crescendo, que torna a canção mais agitada, com destaque para a companhia do baixo, e então, cordas abafadas surgem do nada, encerrando o trecho instrumental. Derek completa a letra de “Working all Day”, entoando o nome da canção, encerrando com a repetição da ponte instrumental do saxofone, e com várias notas do órgão, baixo e guitarra.
Então, mais um estranho tema marcado entre baixo, guitarra e órgão surge, voltando para o riff inicial e a sequência da letra, agora com a companhia do violino. O estranho tema é repetido, levando para o solo de guitarra, cheio de efeitos e com um belo crescendo do órgão, que emoldura o riff principal. Uma engraçada vinheta da flauta e alguns temas marcados levam para o solo de moog, seguido por mais um solo de guitarra, e assim, a mistura de sons envolvendo o solo de guitarra e o tema principal de “Mister Class and Quality” leva ao final da letra da mesma, o qual ocorre com o estranho marcado, chegando então na faixa-título.
Formação que gravou Three Friends: Kerry Minnear, Malcolm Mortimore, Derek Shulman, Ray Shulman, Philip Shulman e Gary Green |
A ideia de lançar um álbum conceitual acabou dando certo, levando Three Friends a ser o primeiro disco do Gentle Giant a figurar nas paradas americanas e inglesas (apesar de ter alcançado a modesta posição de número 197). Pouco antes do lançamento do LP, em março de 1972, o baterista Malcolm Mortimore sofreu um grave acidente com sua moto, que o levou a sair do grupo, sendo substituído pelo excelente John Weathers.
Essa formação lançou o mágico Octopus, outro grande disco que completa 40 anos esse ano, mais especificamente no dia primeiro de dezembro. O grupo voltaria a trabalhar com discos conceituais posteriormente, com destaque para os discos In a Glass House (1973), The Power and the Glory (1974), Interview (1976) e Civilian (1980), todos esses lançados como quinteto, já que da formação que gravou Octopus, Philip acabou saindo por problemas internos com os seus irmãos, após uma fracassada turnê abrindo para o Black Sabbath.
Como detalhe adicional, Three Friends saiu com uma capa diferente nos Estados Unidos e no Canadá, trazendo o nome do grupo estampado sobre a testa do simpático gigante que ilustra a capa do álbum de estreia do grupo. Vale lembrar que a capa original apresenta na frente os amigos reunidos conversando, todos com a mesma cor, enquanto a contra-capa apresenta-os separados, um de costas para os outros, e pintados de cores diferentes.
Capa da versão lançada na América do Norte |
A versão em CD também chama a atenção por um erro grotesco, que foi marcar a duração de “Three Friends” erroneamente como tendo cinco minutos e cincoenta e um segundos, fazendo com que a parte final de “Mister Class and Quality?” virasse o início da faixa-título, o que não é.
Three Friends completa 40 anos mas ainda soa moderno. Não é a toa que ele foi eleito pela revista Classic Rock, em 2009, como um dos 30 melhores discos conceituais da história do rock, na vigésima sétima posição. A capacidade criativa do Gentle Giant ainda tinha muito para ser explorado, mas nada do que conhecemos hoje, que acabou fazendo com que os britânicos tornassem-se mundialmente reconhecidos e aclamados, teria acontecido sem o lançamento de Three Friends, e por isso, essa homenagem é feita para mais um grande disco da história do rock.
Track list:
01. Prologue
02. School Days
03. Working All Day
04. Peel the Paint
05. Mister Class and Quality
06. Three Friends
O fato desse disco ter sido o primeiro do GG a ser lançado no Brasil torna-o muito especial, pois a maioria por aqui conheceu a banda pelo Three Friends. Eu na época tinha um amigo que havia acabado de voltar da Inglaterra e me deu uma fita do Octopus que é um disco que eu sempre gostei muito mais. Você tem razão, Mairon, quando diz que eles eram estranhos se comparados com as grandes bandas do estilo. Meus amigos fãs de Yes, Genesis e ELP não gostaram nem um pouco do Three Friends quando o conheceram e o mesmo pode ser dito em relação ao Pawn Hearts do VdGG. Uma pequena curiosidade: havia uma banda nacional na época, o VAT 69 (que tocava de vez em quando nas domingueiras do Circulo Militar aqui em São Paulo) que fazia um cover bem decente do Peel the Paint.
Discão, óbvio, já que é do Gentle Giant! Ótimo texto, Mairon. E agora eu entendi a estranheza da divisão de "Mister Class and Quality" e "Three Friends". Tinha de ser erro de yankee. keke Agora tudo faz sentido. Meu favorito do Gentle Giant é o Octopus, e o segundo lugar é disputado a tapas e pisadas gigantescas por Acquiring the Taste, In a Glass House e Power and the Glory, mas ACHO que o Acquiring ganha por pouca diferença.
Agora, falando em bandas brasileiras, o que vcs pensam sobre o Terreno Baldio ser o nosso Gentle Giant? Faz tanto tempo que não ouço Terreno Baldio que nem posso opinar. keke Dizem tb que o Et Cetera é o GG canadense..
Grocuho, eu colocaria o Octophera como Gentle Giant brazua. O Terreno Baldio é muito bom, mas não tinha o mesmo talento vocal que o Giant tem