Por Diogo Bizotto
Empreender uma recapitulação a respeito da carreira de Jeff Scott Soto e tudo o que o vocalista já fez nos últimos quase 30 anos seria uma tarefa hercúlea, que tomaria muito mais tempo e espaço do que as considerações que pretendo tecer acerca de
Lost in the Translation, antepenúltimo disco lançado por esse norte-americano capaz de se sair bem nas mais variadas frentes e brilhar em gêneros musicais aparentemente tão díspares. Dito isso, serei sucinto: desde sua primeira grande aparição para o mundo da música ao lado do guitarrista sueco
Yngwie Malmsteen, nos álbuns
Rising Force (1984) e
Marching Out (1985), até seu mais recente disco,
Damage Control (2012), Jeff tem demonstrado talento, carisma, e uma performance que, tão boa em estúdio quanto nos palcos, resultou em infindáveis convites de uma série de artistas que se valeram de seus préstimos, eternizando sua voz em mais de uma centena de discos.
Alguns dirão se tratar de um eterno substituto, lembrando de sua passagem pelo Journey (2006-2007) e da forte cotação para juntar-se ao Queen, ao lado de Brian May e Roger Taylor, confirmada pelo próprio Jeff, mas que infelizmente acabou não se concretizando. No entanto, isso seria deixar toda sua extensa obra de lado, trabalhos que variaram desde o hard rock melódico e funkeado dos suecos do
Talisman, a banda com a qual o cantor é mais normalmente identificado, passando pelo AOR do
W.E.T., uma de suas mais recentes e bem sucedidas empreitadas, até os mais diversos e díspares projetos para os quais emprestou sua voz, como a trilha sonora para o filme
“Rock Star” (2001) e o bizarro (porém interessantíssimo) combo heavy metal
Kryst the Conqueror, formado pelos irmãos Jerry Only e Doyle Wolfgang Von Frankenstein, ambos do Misfits.
É em sua carreira solo que muitos desses elementos se fundem e, especialmente sobre um palco, revelam-se um deleite para os fãs menos radicais, que conseguem apreciar todas as facetas de Jeff. Em estúdio, apesar de também fazer valer certo ecletismo vide os álbuns
Love Parade (1994) e
Beautiful Mess (2008), é um hard rock mais melódico que estabelece o tom, oferecendo terreno seguro tanto para expor seu lado mais agressivo quanto para suas performances em baladas, uma de suas especialidades.
Lost in the Translation oferece justamente isso: um equilíbrio muito bem construído que agradou a todos seus fãs e conquistou muitos novos admiradores. Não à toa, não lembro de ter lido sequer uma crítica ruim a respeito do registro.
A parceria que acabaria rendendo uma passagem pelo Journey e um álbum com o projeto Soul Sirkus abre o disco: trata-se de
“Believe in Me”, canção coescrita com o guitarrista Neal Schon, líder do Journey e uma das pessoas mais habilidosas em se tratando de compor e executar músicas nesse estilo, um hard rock com a marca registrada de sua banda, soando como algo que poderia se encaixar tranquilamente em discos como
Escape (1981),
Frontiers (1983) e até mesmo em
Trial By Fire (1996). Destaque óbvio, assim como a seguinte,
“Soul Divine”, que congrega em seus quatro minutos guitarras suficientemente pesadas ao lado de melodias vocais agradáveis permeadas por backing vocals executados pelo próprio Jeff, que consegue soar como uma verdadeira orquestra vocal.
“Drowning” mantém o pique acelerado imposto pelas anteriores, constituindo a faixa mais heavy do disco e destacando novamente o peso das guitarras, a cargo de Howie Simon, Gary Schutt e Alex Llorens. Rápida, coesa, agressiva na medida… Além disso, demonstra quão boa é a produção, que consegue deixar todos os instrumentos claros sem soar “plástica” em momento algum.
A primeira balada do disco é “If This Is the End”, perfeita para dividir admiradores e detratores. Seu início parece não prometer muito, mas após a primeira execução do refrão, entra em um crescendo que faz com que a canção torne-se bem mais interessante. “Beginning 2 End” é a outra canção do gênero presente no registro, que acaba denotando que o verdadeiro destaque de Lost in the Translation é sua forte pegada hard rock. Apesar de, em particular, as duas músicas me agradarem, soam um tanto formulaicas e não superam as excelentes “Holding On” e “Don’t Wanna Say Goodbye”, presentes no disco anterior, Prism (2002).
Tanto é verdade que a sonoridade mais hardeira é o que comanda o disco, que, mesmo um cara que normalmente aprecia baladas, como eu, agradece pela sequência natural do álbum ser muito mais formada por canções como a faixa-título, mais uma comandada por guitarras ganchudas com uma leve pegada funk (além de conter um belo e virtuoso solo), do que por baladas com excesso de sacarina. Mais funkeada ainda é “Doin’ Time”, que esbanja em seu instrumental toda a malícia contida na letra. Ainda por cima, conta com um extenso solo de guitarra que, a mim, soa como uma mistura entre os estilos de Yngwie Malmsteen e Tom Morello (!), por mais absurdo que isso possa parecer.
“High Time” tem a cara do Talisman, e poderia facilmente constar do track list de álbuns como Genesis (1993) e Humanimal (1994). O peso ganchudo tem seguimento através de “On My Own”, que lembra os bons momentos da carreira solo de Glenn Hughes na última década. Não à toa, afinal, os dois artistas compartilham de diversas influências em comum. “Find Our Way” é outra que poderia ter entrado facilmente em um álbum do Talisman e trabalhada ao lado dos ex-companheiros de Jeff no grupo, infelizmente extinto desde 2007, situação que se tornou irreversível após o triste suicídio do baixista Marcel Jacob, fundador da banda. O track list é finalizado com a acústica “Sacred Eyes”, encerrando um álbum no qual nenhuma faixa pode ser denominada como fraca, para ouvir de cabo a rabo sem pular sequer uma música.
Felizmente existem artistas como Jeff Scott Soto, que, apesar de contarem com um currículo para humilhar muita gente infinitamente mais famosa (porém muito menos produtiva), tem se mostrado um dos caras mais gente boa do showbusiness, rendendo cada vez mais oportunidades. Já tive a oportunidade de assistir a duas apresentações suas e afirmo com veemência: em mais de dez anos frequentando diversos shows de músicos internacionais, é muito difícil que tenha presenciado alguém tão solícito e atencioso para com seus fãs, demonstrando, nas duas oportunidades, bom humor e o latente semblante de alguém que realmente ama o que faz. Parabéns, Jeff!
Track list:
1. Believe in Me
2. Soul Divine
3. Drowning
4. If This Is the End
5. Lost in the Translation
6. Doin’ Time
7. High Time
8. Beginning 2 End
9. On My Own
10. Find Our Way
11. Sacred Eyes