Existem muitos grupos obscuros, alguns inclusive já tratados aqui no blog, que vêm sendo descobertos através dos anos graças a verdadeiros Indiana Jones da música, catando essas preciosidades nos mais diferentes tipos de sites, fontes de pesquisa ou também nos acervos pessoais de músicos e ex-músicos dos mesmos.
Porém, existem alguns casos que a obscuridade é tamanha que nem mesmo os próprios músicos conhecem o trabalho lançado, seja por que o pessoal do grupo largou de vez a música, seja por problemas contratuais entre a banda e a gravadora que acabou lançando o material.
Também é certo de que a história do rock é recheada de tragédias envolvendo músicos, fãs e pessoas ligadas a música. Randy Rhoads, um dos melhores guitarristas a pisar na Terra, faleceu em uma tragédia inexplicável, durante uma brincadeira com uma aeronave, tentando acordar o vocalista Ozzy Osbourne. Ritchie Valens e Buddy Holly faleceram também em uma tragédia aérea, em 3 de fevereiro de 1959, privando o mundo de dois dos mais talentosos músicos do rock ‘n’ roll. The Who e The Allman Brothers Band sofreram com diversas tragédias durante sua carreira. Enquanto o primeiro perdeu seu baterista Keith Moon, vítima das drogas, e viu muitos fãs serem mortos em uma apresentação em 1979, o segundo perdeu seu principal guitarrista, Duane Allman, em um acidente automobilístico, bem como outros integrantes também faleceram com o passar dos anos.
E o que dizer do Lynyrd Skynyrd, cujos membros passaram por um terrível acidente aéreo, levando três de seus integrantes, ou do Mamonoas Assassinas, no Brasil, cujo famoso acidente na Serra da Cantareira em março de 1996 acabou com a banda de rock mais popular no país na década de 90. E ainda poderíamos falar sobre os 3 J’s (Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis Joplin), Kurt Cobain, Altamont, e por aí vai. Mas paramos por aqui, já que exemplos de tragédias são diversas no rock.
Por que disso? Por que a mistura tragédia / obscuridade é o que envolve um dos melhores grupos do hard setentista. Estamos falando dos britânicos do Possessed.
O grupo nasceu em 1969, através de seu líder e formador, o guitarrista Vernon Pereira. Vernon nasceu em Jamshedpur, no centro-leste da Índia, indo para o Reino Unido aos 15 anos, e havia integrado a The Band of Joy, de onde saíram John Bonham e Robert Plant para integrar o Led Zeppelin, sendo que Vernon era primo da esposa de Plant.
O guitarrista procurava músicos para formar um power trio na linha do Taste, trazendo as influências do blues com o peso que estava aparecendo na Inglaterra através de nomes como o próprio Led Zeppelin e o Black Sabbath.
O primeiro músico a surgir no “mercado da música” foi Mick Reeves. Mick havia saído do grupo no qual estava tocando, o Sugar Stack, e que era composto por Mick (guitarras), Geoff Furnival (guitarras), Bruno Stapenhill (baixo), John Partridge (bateria) e Al Atkins (vocais). O Sugar Stack durou apenas dois anos (1966-1967), e acabou devido aos problemas internos, já que o som do Sugar Stack estava curiosamente evoluindo para o lado pesado e hardiano, que Reeves não gostava, pois era adepto de um som mais pop. Digo curiosamente por que é justamente esse estilo que Reeves encontrará no grupo de Vernon Pereira.
Reeves saiu do Sugar Stack, culminando com o fim do grupo. Atkins, Stapenhill e Partridge resolveram montar um novo grupo, chamando o guitarrista Ernie Chateawy, e assim, em meados de 1968, o Judas Priest nascia. Essa formação durou alguns meses, e depois de uma breve separação, e uma mudança na formação, com a entrada de K. K. Downington (guitarras) e Ian Hill (baixo), o Judas Priest que hoje muitos idolatram finalmente dava seus primeiros passos.
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Reeves e sua guitarra/baixo |
Reeves trouxe para o novo grupo um raro instrumento: uma guitarra de dois braços, onde um dos braços era o baixo, e o outro braço era uma guitarra Gibson SG. Assim, ele poderia fazer o som marcante das guitarras gêmeas do grupo que estavam montando durante os solos, bem como as linhas de baixo das canções. Depois, foi a vez de Phil Brittle entrar na jogada. Brittle também havia tocado na Band of Joy, tendo aprendido muitas técnicas pelo professor John Bonham, o que também acabaria marcando o som deste grupo, cuja formação então consolidava-se com Brittle (bateria, voz), Reeves (guitarra, baixo, voz) e Vernon (voz principal, slide guitar e guitarra solo). O nome de batismo: Possessed (não confundir com o grupo de mesmo nome, que fez sucesso nos anos 80 tocando thrash metal).
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Mick Reeves, Vernon Pereira e Phil Brittle |
Logo, o Possessed passou a se destacar no cenário de shows de Middle East e também pela Inglaterra, tendo uma dinâmica sonora muito influenciada por Led Zeppelin e Cream, além de solos de guitarra ácidos, as guitarras gêmeas fazendo linhas melódicas muito bonitas e uma cozinha harmoniosa, carregada de peso e distorção. Não demorou muito para que o grupo conseguisse um contrato com a gravadora Vertigo, e partisse para os estúdios em 1971.
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O disco promocional do Possessed |
Porém, diversos problemas contratuais entre os membros do grupo e a Vertigo, fizeram com que a gravação ficasse trancada em um armário. Mesmo assim, o Possessed não deixou de existir, e continuou fazendo shows pela bretanha, sempre buscando uma gravadora para lançar seu LP, carregando um hoje raríssimo disco de demonstração com as canções “The Love That You Give” e “Thunder and Lightning”. Brittle saiu do grupo em 1972, sendo substituído por Chris Andrews. Junto à ele, entraram o baixista Stephen McLoughlin e o vocalista Terry Davies.
Foi então que, cinco anos depois, após muitos shows, reconhecimento dos fãs e nenhuma gravadora, uma tragédia assolou o quinteto. Após uma apresentação na cidade de Carlisle, no norte da Inglaterra, no dia 25 de outubro, o grupo retornava para casa na sua van, quando o motorista perdeu o controle do automóvel e bateu em um caminhão tanque carregado de gasolina. Da colisão surgiu uma enorme explosão, que vitimou Vernon, Reeves e Davies, enquanto Andres e McLoughlin ficaram gravemente feridos. Chegava ao fim uma das mais promissoras bandas do hard rock setentista, a qual não havia lançado se quer seu álbum de estreia.
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Exploration, o álbum que os membros nunca viram em uma prateleira |
Porém, os anos passaram, e em setembro de 2001, finalmente o mundo conseguiu ouvir o que Vernon, Brittle e Reeves haviam feito 30 anos antes. Infelizmente, Vernon e Reeves não puderam ver seu disco na prateleira, mas Brittle e os fãs conheceram Exploration, o qual traz as gravações direto das fitas masters, as quais estavam em posse de Lee Dorrian, vocalista do Napalm Death e do Cathedral. Segundo Lee: “Quando eu ouvi as fitas masters, eu logo fiquei encantado com o som do Possessed“. E não tem como não se encantar. Afinal, as canções de Exploration são uma ácida combinação de peso, lisergia e rock’n’roll. Exploration foi lançado em CD e também em tiragem limitadas em vinil, que é o que será tratado apartir de então.
A tarefa de abrir os trabalhos do LP fica por conta de “
Darkness, Darkness”, contando com uma bonita introdução das guitarras sendo acompanhadas pela bateria. Vernon puxa o ritmo swingado da guitarra, trazendo as vocalizações do trio, com uma melodia bem setentista, tendo a guitarra de Vernon fazendo intervenções. O tema introdutório é repetido, trazendo a sequência da letra, chegando no refrão, onde podemos perceber que a voz de Vernon é muito aguda. O solo melodioso de guitarra, arranca bends e arpejos do instrumento, voltando ao refrão e a uma curta sessão de acordes marcados que encerra essa boa faixa de abertura.
Uma bela introdução também está em “The Love That You Gave”, um reggae-hardiano onde a voz aguda de Vernon destaca-se sobre a voz de Reeves, com destaque para as linhas de baixo de Reeves e para a marcação quebrada de Brittle. Vernon passa a cantar sozinho, e a canção muda sua melodia. As desafinadas de Vernon acabam irritando um pouco, mas elas duram poucos segundos, compensados pelo belíssimo tema das guitarras gêmeas que leva ao final da canção, fechando com o baixo, guitarra e bateria, executando um tema marcado em cima da melodia principal.
Guitarras, baixo e bateria abrem “Exploration”. A alavanca é usada para fazer o tema da canção, trazendo os vocais do trio. Reeves é o responsável pelo vocal principal, alternando momentos com as vocalizações. A introdução é repetida, assim como a letra, chegando ao refrão, cantado por todos. O tema da alavanca leva ao solo de guitarra, com muita distorção, voltando ao refrão e chegando ao fim da canção, com as vocalizações cantando “gotta get away”.
“Climb the Wooden Hills” abre com guitarra, baixo e bateria fazendo o tema marcado, e os vocais do trio surgem, gritados, rasgados, e novamente a agudez da voz de Vernon chega a irritar por alguns instantes. Os temas marcados retornam, e a letra é repetida. Então, Vernon compensa suas desafinadas com um interessante solo no slide guitar, relembrando os grandes momentos de Duane Allman, seguido por mais um tema das guitarras gêmeas, fechando a canção com o tema marcado da introdução.
A estranha “
Dream” abre com um tema enlouquecedor de guitarra e baixo, com a bateria quebrando tudo, trazendo as vocalizações do grupo em uma melodia mais sessentista, onde aí sim os vocais agudos de Vernon se encaixaram. O refrão é feito sobre a estranha introdução, com um espetáculo a parte de Brittle. Outro destaque vai para o bonito arranjo vocal, algo similar ao que o Trapeze fez em seu primeiro LP. A canção transforma-se, ganhando peso com um tema marcado entre baixo e guitarra, chegando ao macabro e tenebroso solo de Vernon e Reeves, com notas sobrepostas, alavancadas e arpejos que diminuem o volume, encerrando a canção exatamente no melhor momento da mesma.
O Lado A encerra-se com “All Night Long”, uma canção mais simples comparada à “Dream”, mas que mesmo assim, apresenta uma intrincada composição da bateria, com um refrão rápido onde o baixo cavalgante de Reeves é a maior atração, assim como o curto solo de Vernon. A parte vocal é repetida, e o baixo de Reeves aparece com relevância novamente.
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Selo do vinil, destacando a guitara-baixo de Reeves |
“Disheartened & Disillusioned” abre o Lado B com a guitarra fazendo os acordes que constroem a melodia da mesma. Vernon canta a canção, acompanhado pelas vocalizações do trio, enquanto ao fundo, o dedilhado da guitarra e as viradas da bateria acompanham a letra. A canção muda de ritmo, com as guitarras solando sobrepostas, voltando então para o início da mesma, para Vernon solar sozinho com um leve andamento ao fundo. A canção pega ritmo, e Vernon solta suas escalas. Mesmo com uma técnica não muito avançada, o solo empolga, principalmente pelas linhas de baixo de Reeves, o melhor instrumentista dos três disparado. O solo pega fogo, com Vernon usando alavanca, Brittle fazendo viradas e batidas fortes e Reeves estraçalhando o baixo, e então, voltamos ao solo leve e aos dedilhados, voltando para o início da letra e chegando ao final dessa bela canção com maravilhosas escalas jazzísticas do baixo e da guitarra.
“Thunder & Lightning” é uma paulada, com uma introdução rasgada das guitarras, baixo e bateria, e com o vocal agudo de Vernon encaixando perfeitamente. A linha de baixo e guitarra durante toda a canção é empolgante, e a marcação no cowbell vira uma novidade para o que estamos ouvindo. No solo, Reeves e Vernon alternam a posição central, voltando então ao tema inicial. Destaque para a constante presença de uma insinuante slide guitar ao fundo da canção.
O Possessed resolve investir em temas mais suaves durante “Love ‘em or Leave ‘em”, onde violões dedilhados e uma leve marcação apresentam a canção, uma linda balada acústica, o qual nos mostra que o Possessed além de ser uma poderosa banda de hard, sabia compor belas canções ao violão. O grande destaque vai para o refrão, que entoa o nome da canção, e também para o arranjo dos violões, além da emocionante voz de Vernon, e a canção encerra-se apenas com o dedilhado dos violões.
“Exploration Pt. II” é outra maravilhosa peça ao violão, com um estilo flamenco nos acordes de Pereira, mas que por vezes lembra o estilo de tocar de Jimmy Page, em canções como “That’s the Way” ou “Bron-Yr-Aur”. A canção cresce com as batidas no violão, e a alternância de acordes acaba criando uma rica melodia e harmonia para essa pequena obra instrumental, a qual encerra-se com uma estranha sequência de notas.
“Reminiscing” começa com um swingado riff das guitarras, acompanhado pela marcação da bateria. Os vocais de Vernon surgem, não tão agudos, assim como a slide guitar está presente no refrão, cantado por Vernon e Reeves. O solo é outro que lembra bastante Jimmy Page, porém agora em “In My Time of Dying”, com Vernon abusando do slide, apesar da técnica não ser a mesma do guitarrista do Led Zeppelin. A canção encerra-se com a repetição do refrão.
O álbum encerra com “I See the Light”, onde a densa introdução dos acordes da guitarra traz baixo e bateria, em mais uma canção cantada por Vernon e Reeves. Os temas marcados, assim como as viradas de Brittle, ajudam a montar uma intrincada canção, onde as vocalizações no refrão, bem como as linhas de baixo, arrepiam. O solo de Vernon possui alavancas e escalas velozes, em uma linha que lembra muito o Taste, encerrando com a repetição do refrão.
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Phil Brittle, atrás do bumbo do Quill |
Hoje, exatos 35 anos depois da tragédia, o Consultoria do Rock presta uma homenagem a Vernon, Reeves e Davies, bem como à Brittle, hoje membro do grupo Quill, e claro, ao Possessed que o mundo não pode ver, mas graças à desbravadores como Lee Dorrian, gravadoras independentes e diversos sites de download, nossa geração pode ouvir e curtir mais um dos ótimos grupos obscuros do hard setentista.
Gosto muito dessa banda!
Muito melhor que o Possessed do metal.
Excelente … banda pesadíssima … no mesmo nível de Led Zeppelin, Cream e Blue Cheer
Caras, eu ouvi acho que um ou dos sons dessa banda, a indicação tb era ótima, mas lembro que o som me decepcionou principalmente pelo vocal. Mas esse texto me instiga a dar uma nova chance a banda, a história é muito interessante, não sabia dessa relação com a Band of Joy.
Abraço!
Ronaldo
Ronaldo, realmente o vocal do Vernon irrita em algumas canções, mas na parte instrumental, não da para negar que os musicos tinham talento (apesar da precariedade na gravação)
Outra banda que eu gosto bastante dessa época, e q não ficou famosa, é o Iron Maiden, assim como o próprio Skid Row.
O texto sobre o Iron já rolou em outras bandas, mas quem sabe um dia eu resgato por aqui no consultoria. O Skid Row eu to devendo até para mim mesmo uma ouvida na discografia de novo
Abraço
Sempre pulei esse texto achando que era sobre a banda de thrash, hehe. Que stória triste, hein?
Ainda bem que o som resiste ao tempo e podemos anos depois conhecer essa bandaça do hard setentista