Discografias Comentadas: Therion – Parte II
Por Micael Machado
Com as boas vendas e a repercussão positiva de Theli, o Therion pôde enfim excursionar de forma mais constante, além de finalmente se tornar uma banda atraente para a sua gravadora, a Nuclear Blast. Após três turnês pela Europa promovendo o álbum, o guitarrista Christofer Johnsson estava novamente sozinho, pois ainda durante as gravações de Theli o guitarrista Jonas Mellberg saiu do grupo, além do baixista Lars Rosenberg ter sido demitido devido a problemas com álcool, e o baterista Piotr Wawrzeniuk ter largado a música para se dedicar aos estudos. Assim, o grupo se transformou em Christofer cercado por músicos contratados (entre eles, cabe citar Kimberly Goss, que tocou teclados e cantou em parte da excursão, e que depois integraria o Dimmu Borgir e o Sinergy). Mas esses não eram adequados para gravar o novo álbum de estúdio.
Vovin [1998]
Para gravar o sucessor de seu maior sucesso comercial até então, o “dono” do Therion contratou músicos profissionais de estúdio (o baixista Jan Kazda e o baterista Wolf Simons), além de, pela primeira vez, contar com uma orquestra de verdade nas gravações, e da participação de Tommy Eriksson na guitarra solo (um amigo de Christofer que já havia tocado guitarra e bateria ao vivo com o grupo em turnês anteriores) e de Sarah Jezebel Deva e Martina Hornbacher nos vocais líricos, além de outros músicos convidados e de um grande coral. Considerado como um álbum solo por Johnsson, apesar de ter o nome do grupo em sua capa, Vovin (“Dragão”, em enochian, linguagem específica da magia negra) mostra uma face ainda mais melódica do grupo (presente em “Clavicula Nox”, “Eye Of Shiva” e “Raven Of Dispersion”), misturada com o lado mais heavy metal do grupo, exemplificado em “The Wild Hunt”, que conta com Ralf Scheepers (ex-Gamma Ray, atual Primal Fear) nos vocais. A trinca de abertura formada por “The Rise Of Sodom And Gomorrah”, “Birth Of Venus Illegitima” e “Wine Of Aluqah” exemplifica bem o rumo que a sonoridade da banda tomou depois de Theli, e estas músicas tornaram-se clássicos dentro da discografia do Therion. O disco ainda conta com as três partes da “Draconian Trilogy”, uma de suas melhores composições. Apesar de não ser tão bom quanto o anterior, Vovin é um grande álbum, e elevou ainda mais o nome da banda no cenário metálico mundial, vendendo o dobro de cópias de seu antecessor e tornando o Therion a principal banda em número de vendas da gravadora Nuclear Blast.
Crowning of Atlantis [1999]
Mais um EP estendido, desta vez com três músicas inéditas (“The Crowning Of Atlantis”, “Mark Of Cain” e “From The Dionysian Days”), uma versão de “Clavicula Nox” com os vocais principais executados por uma voz masculina (ao contrário da versão de Vovin, executada por uma voz feminina), covers para músicas de Loudness, Manowar e Accept, além de três faixas ao vivo na turnê de 1998. É um disco menor na discografia da banda, mas ainda assim bastante interessante se você já for fã do som do Therion. Anos depois, seria lançado um disco chamado Atlantis Lucid Dreaming (2005) reunindo faixas deste EP e de A’arab Zaraq – Lucid Dreaming, embora nenhum dos dois discos apareça na íntegra, o que desagradou alguns fãs e fez com que a gravadora lançasse uma edição dupla especial no mercado europeu.
Deggial [2000]
O equilíbrio perfeito entre o lado agressivo com o lado melódico da sonoridade do Therion foi atingido aqui. Se “Seven Secrets Of The Sphinx”, “Enter Vril-Ya” (uma das minhas favoritas da carreira do grupo), “Emerald Crown” e “Flesh Of The Gods” (cantada por Hansi Kürsch, do Blind Guardian) nos levam a bater cabeça, “Eternal Return” (que tem uma parte de guitarra logo após a introdução que sempre me lembra o riff de “Mother Russia”, do Iron Maiden, quando a escuto), “Ship Of Luna”, “The Invincible”, “Deggial”, “Emerald Crown” e “Via Nocturna” trazem à tona as influências de música clássica de Christofer, com poderosos corais e orquestrações magníficas. “The Flight Of The Lord Of The Flies” é uma vinheta executada por guitarras e violinos, e a boa cover para “O Fortuna”, da ópera Carmina Burana de Carl Orff encerra este que é, para mim, o segundo melhor disco da banda. Deggial ainda apresenta pela primeira vez em estúdio os irmãos Kristian Niemann (guitarra solo) e Johan Niemann (baixo), que ficariam no grupo por aproximadamente dez anos, estabilizando estes postos na história do Therion, além da presença do excelente Sami Karpinnen na bateria.
Secret Of The Runes [2001]
O primeiro álbum conceitual da história do Therion, baseado na mitologia nórdica, Secret Of The Runes é o também o primeiro (e até agora único) disco em que o Therion conseguiu repetir uma formação. Embora com inúmeros músicos fazendo as partes de orquestra e corais, o núcleo da banda era novamente composto por Christofer, os irmãos Niemann e Sami, que novamente registraram um grande álbum, embora ele seja mais focado nos elementos sinfônicos, sem ter tantas partes agressivas. Após o prelúdio com a magistral “Ginnungagap”, iniciamos o passeio pelos nove mundos da árvore Yggdrasil, passando por canções como a agressiva “Asgård“, a espetacular “Schwarzalbenheim“, a esquizofrênica “Muspelheim” (que mistura metal, música clássica e uma linha vocal muito veloz, de difícil reprodução) e as constantes variações de “Vanaheim”. A faixa título encerra o álbum, numa espécie de epílogo para a história retratada nas letras. Algumas versões incluem os covers de “Crying Days” do Scorpions, e “Summernight City”, do Abba, sendo essa última um dos destaques do play. Durante a tour de Secret Of The Runes foi gravado o primeiro disco ao vivo do Therion, o duplo Live in Midgård, com músicas de todas as fases do grupo, o que serviu para dar um reconhecimento ainda maior ao nome da banda no cenário mundial.
Sirius B [2004]
Sirius B e Lemuria foram lançados na mesma data, sendo que a primeira edição trazia os dois álbuns reunidos em uma só embalagem, e nas posteriores eles passaram a ser vendidos separadamente. A banda não contava mais com o baterista Sami Karpinnen, e Richard Evensand aparece tocando bateria nesses discos, como convidado, além da presença do antigo baterista Piotr Wawrzeniuk executando os vocais principais em algumas faixas. São também os álbuns onde Christofer mais cedeu espaço até então nas composições para seus companheiros de grupo na carreira do Therion, sendo que algumas canções nem chegam a contar com seu nome nos créditos. Como na edição dupla Sirius B é o primeiro disco (a razão para isso é que Christofer temia que a letra B do título fizesse as pessoas pensarem que ele era uma obra menor em relação a Lemuria, uma espécie de “disco dois” desse), tratemos inicialmente dele. O álbum abre com “Blood Of Kingu”, uma das mais agressivas músicas gravadas pelo Therion em muito tempo, e um dos destaques do play. A próxima, “Son of the Sun”, mais melodiosa, é forte candidata a melhor faixa, ao lado da espetacular “Call Of Dagon”. A épica “Kali Yuga” é divida em duas partes, sendo a segunda, mais agressiva, muito melhor que a primeira, enquanto “Voyage of Gurdjief (The Fourth Way)” é um belo exemplo da mescla que o grupo consegue fazer da música clássica e da ópera com o heavy metal. O lado sinfônico de discos como Deggial reaparece em “The Wondrous World Of Punt”, e na soturna faixa título. Sirius B é menos empolgante que seus antecessores, mas ainda consegue atingir um nível de qualidade acima da média, e se deixa ouvir sem maiores problemas.
O irmão de Sirius B abre com “Typhon”, a mais agressiva e uma das melhores canções do disco, onde no refrão Christofer volta a executar os vocais guturais do início da carreira do grupo (o que também ocorre na primeira parte da épica “Three Ships of Berik”), coisa que há muito tempo não se ouvia em um disco do Therion. A faixa título é uma das mais belas baladas do grupo, a cadenciada “An Arrow from the Sun” tem um dos melhores refrãos do álbum, e “Quetzalcoatl” trata dos maias e do mito do fim do mundo em 2012, inclusive com o refrão sendo cantado em espanhol. No geral, prefiro Lemuria ao seu álbum gêmeo, mas os dois discos estão em uma categoria bem acima da média. O segundo show da turnê, na cidade do México, foi gravado, e lançado em um dos discos do box set Celebrators of Becoming, com quatro DVDs que percorrem toda a carreira do Therion, além de um CD duplo com o áudio do show no México.
Gothic Kabbalah [2007]
Este álbum duplo foi recebido de maneiras divergentes entre os fãs. Alguns odiaram, outros (eu inclusive) amaram, e, particularmente, o considero o melhor disco do Therion desde Deggial. Neste álbum, a banda teve a estreia em estúdio de seu novo baterista, Petter Karlsson, que já havia participado da turnê anterior, e deixou de lado o esquema de vocais feitos por corais pela primeira vez em muito tempo, concentrando as vozes em dois casais: o “bonzinho”, com Mats Léven (que já havia cantado na dupla Sirius B/Lemuria, inclusive participando da tour desses álbuns) e a soprano Hannah Holgersson, e o “malvado”, com Snowy Shaw (ex-baterista de bandas como Mercyful Fate e Dream Evil) e a soprano Katarina Lilja. Talvez este fato, aliado à longa duração em relação aos outros discos lançados pelo Therion, e à notável falta de canções mais agressivas (apenas “T.O.F. – The Trinity” se encaixa nessa categoria), em favor de músicas mais sinfônicas, tenha desagradado à grande parcela dos fãs, mas aqueles que gostam do lado mais calmo do grupo não tem do que reclamar. Não que tudo seja um amontoado de baladas e músicas com influência clássica, como bem mostram “Der Mitternachtslöwe”, que abre os trabalhos do disco um, e “Tuna 1613”, que inclusive conta com um excelente solo de órgão Hammond executado por Ken Hensley, ex-Uriah Heep. A participação dos demais membros nas composições, retirando um pouco a responsabilidade de Christofer nesta área, é ainda mais efetiva, o que se reflete na grande variedade de sonoridades encontradas no álbum. O primeiro disco é mais equilibrado, e apenas as duas últimas músicas deixam um pouco a qualidade cair, sendo que os destaques ficam com a já citada faixa de abertura, com a emocionante “Perennial Sophia”, e a épica “Son of the Staves of Time”. No segundo disco, além da citada “T.O.F.”, destacam-se “The Wand of Abaris” e a veloz “The Falling Stone”, sendo que muitos fãs idolatram a faixa de encerramento, “Adulruna Rediviva”, uma das mais épicas canções do Therion, mas que eu, particularmente, não gosto muito. Um ponto negativo a ser citado é sua curta duração para um álbum duplo, apenas 84 minutos, sendo que o excesso em relação à capacidade de um CD simples (em torno de 78 minutos) poderia ter sido podado se as canções fossem um pouco mais retrabalhadas. Mas isso não chega a ser um problema que atrapalhe a audição de mais uma grande obra. A turnê de divulgação gerou mais um CD/DVD ao vivo, Live Gothic, e, depois do anúncio da saída dos irmãos Niemann e de Petter Karlsson, o grupo lançou o decepcionante CD/DVD The Miskolc Experience, gravado ao vivo ao lado de uma orquestra completa, mas que não satisfez a vontade dos fãs em ouvir o grupo nesta situação (coisa que muitos, como eu, esperavam há tempos), além de ter o primeiro disco do CD duplo composto por canções clássicas e partes de óperas não tão conhecidas do grande público, e de possuir uma curta duração geral da obra. Mais uma vez Christofer estava sozinho com o nome Therion, e a responsabilidade de remontar a banda para continuar sua trajetória musical.
Sitra Ahra [2010]
Christofer remontou a banda com Christian Vidal na guitarra, Nalle Påhlsson no baixo e Johan Koleberg na bateria, e para este disco retrabalhou músicas que haviam sobrado da dobradinha Sirius B/Lemuria, previstas para formarem um terceiro disco à época, mas armazenadas em favor do projeto que resultou em Gothic Kabbalah. Thomas Vikström é listado como o vocalista principal, ao lado de Snowy Shaw e da soprano Lori Lewis, mas no geral o esquema de vocais em coral é bem mais presente do que no disco anterior. A temática das letras retoma a filosofia ocultista e a Magia Draconiana, que haviam deixado de ser o principal foco dos discos pós-Deggial. Ao lado da curta e agressiva “Din“, a faixa título, que também é a de abertura, é o grande destaque do álbum, com seu arranjo épico e pomposo e um excelente refrão. A partir daí,o disco perde o rumo, com momentos que não honram o passado do grupo. Os quase nove minutos de “Kings of Edon” têm algumas partes muito boas, mas sua longa duração e a grande alternância de “climas” (até um solo de violão flamenco aparece lá pelo meio!) não deixam a música empolgar ao ouvinte como deveria. “Unguentum Sabbati“, a mais pesada, é outra que ainda se salva, embora o seu final com uma melodia muito simples ao piano deixe a desejar. “Land of Canaan”, com mais de dez minutos, começa com um clima árabe, passa a um solo de harmônica que parece retirado de um filme de faroeste, para depois ter um trecho com acordeão que parece trilha sonora de filme francês, e outro que lembra as músicas folclóricas russas, terminando num pastiche de ópera com música clássica, em uma gama de variações sem pé nem cabeça que não ficou nada legal. “Hallequin” tem a melhor introdução do álbum, mas depois não consegue segurar o pique, com muitas variações que fazem a música perder o atrativo inicial. Mesmo a terceira parte de “Kali Yuga” não consegue chegar nem perto das duas primeiras, presentes em Sirius B.
Foto promocional para a turnê de Sitra Ahra |
Até aqui, Sitra Ahra é a maior “bola fora” da carreira do Therion, e resta-nos esperar que Christofer e seus comparsas (sejam eles quem forem) reencontrem o rumo e voltem a compor grandes discos como em um passado nem tão distante.
De todos os discos comentados nessa segunda parte, o meu favorito é o Vovin. Acho o clima do disco sensacional, e todas as composicoes se destacam. Mas tambem curto muito o Deggial!
Grande banda, que prima pela criatividade e sofreu uma grande evolução com o passar dos anos. Confesso que simpatizei mais com a fase de transição, quando ainda existiam mais elementos ligando com o passado calcado no death metal, afinal, trata-se de um dos meus gêneros favoritos! Normalmente tenho muita restrição a vocais líricos e elementos excessivamente épicos aplicados ao heavy metal, mas no Therion essas características certamente são um diferencial positivo.
É um absurdo que esse post tenha tão poucos comentários, seria porque o therion não tem tanta repercussão no brasil? ou seria pelos próprios internautas ouvintes de therion que são preguiçosos? ou porque eles leem como fonte de informação (contém opinião também é claro)e depois deixam a página sem ao menos marcar o nome do blog?
Enfim, Parabéns pelo post, sou fã de therion, e alguma posições que você fez foram muito condizentes, e é claro que umas eu não concordo, mas isso faz parte, não é?
mais uma vez, parabéns ae, falou.
João Gustavo – Interior/SP
Olá, João!
O Micael mandou muito bem nas explanações, só achei um exagero dizer Sitra Ahra como “bola fora”. É um disco com algumas características diferentes, que está longe de ser “bola fora”.
Em nome do Micael e do blog, João Gustavo, valeu pelo apoio. São comentários como o seu que fazem a gente ter vontade de seguir em frente. Obrigado pela participação.
João Gustavo… uma tese que sempre levanto é a de que, na grande maioria das vezes, a qualidade do texto é menos importante do que o assunto abordado sob os olhos dos leitores. Pode-se escrever um ótimo artigo sobre um artista nem tão conhecido e receber-se reconhecimento nulo, enquanto um texto ruim ou mesmo a mera publicação de uma frase, foto ou vídeo de artista muito famoso ou em evidência rende infinitamente mais. É uma pena. Acredito que o Therion tenha uma boa quantidade de fãs no Brasil, mas penso ser consideravelmente menor do que na primeira metade dos anos 2000, quando os chamados grupos de gothic metal estavam em alta por aqui. E é claro, o Therion é muito superior a eles, sem falar em sua diferenciação.