Maravilhas do Mundo Prog: Pink Floyd – Shine On You Crazy Diamond [1975]
Por Mairon Machado
A sequência de Maravilhas Prog que o Pink Floyd criou a partir de “Atom Heart Mother” é uma das raras oportunidades de conhecermos sobre o rock progressivo. Em três álbuns seguidos, vieram pérolas que elucidam o que há de melhor dentro do estilo, ou seja, “Atom Heart Mother” (do álbum de mesmo nome, em 1970), “Echoes” (de Meddle, 1971) e “The Great Gig in the Sky” (de Dark Side of the Moon, em 1973).
Seria o grupo capaz de manter a série? Óbvio que tratando-se de Roger Waters (baixo, vocais, sintetizadores), David Gilmour (guitarra, vocais, baixo, sintetizadores), Rick Wright (teclados, vocais, sintetizadores) e Nick Mason (bateria, percussão) essa resposta é simples: SIM.
A quarta Maravilha Prog em sequência veio em uma emocionante homenagem para o fundador do grupo, o guitarrista Syd Barrett, e foi registrada no álbum Wish You Were Here, lançado em 1975. Neste disco, o grupo aprofundou ainda mais suas experimentações com sintetizadores e vocalizações, as quais haviam começado em Dark Side of the Moon. Com exceção da faixa-título, todas as demais canções contam com pelo menos um sintetizador fazendo o solo principal, algo que não era comum aos sons do Pink Floyd. Por conta disso, é notável a importância de Wright para esse álbum especificamente, fato explicado por ele ser o mais próximo a Barrett dentre os membros do Floyd. Outro detalhe importante é que a partir dele, Waters praticamente abandona o baixo durante as gravações, deixando para Gilmour executar as partes. Somente na nossa Maravilha Prog que ele participa diretamente tocando o instrumento, e em alguns momentos, ao lado de Gilmour.
Mas antes de chegarmos a ela, contamos um pouco da história por detrás de Wish You Were Here. Concebido como um disco em homenagem à Syd Barrett (que já havia sido homenageado com “Brain Damage”, em Dark Side of the Moon), o álbum começou a ser gravado no início de 1974, nos estúdios King’s Cross, em Londres. Na turnê que o grupo fez nesse mesmo ano, antes do lançamento do novo álbum, algumas canções inéditas começaram a aparecer, e o público começou a se deparar com um novo Pink Floyd em cima do palco, muito mais concentrado em tocar do que em encantar com luzes ou algo do gênero.
A curiosidade maior nesse período é o fato de que nenhum dos membros da banda sabia se o grupo deveria seguir. Atingido o sucesso maior com as vendas de Dark Side of the Moon, todos estavam com muito dinheiro, carros, esposas maravilhosas e sem expectativa de se deveriam seguir ou não. Jovens, entre vinte e nove e trinta e dois anos, passaram por um doloroso processo de absorção do sucesso, que culminou com vaias e críticas pesadas as novas apresentações do grupo, parte por que as canções eram muito diferentes do que já haviam sido feitas anteriormente (principalmente no experimentalismo eletrônico de Dark Side of the Moon), parte por que realmente, nenhum deles estava mais interessado em subir no palco. “O fim está próximo!”, chegou a dizer Waters após um show em Wembley.
Um ano depois do início das gravações, em meados de janeiro de 1975, novamente voltam a se reunir, agora nos estúdios da Abbey Road, e o que se viu nos palcos foi visto nos estúdios. Praticamente, os únicos interessados eram Wright e Waters, com Mason e Gilmour ficando dias sem aparecer, passando o final de semana com a família ou dedicando-se a uma nova paixão: o squash.
Isto frustrava bastante não só a gravadora Columbia, mas também o produtor Brian Humpries, e principalmente, a Waters. Muito do “domínio” que Waters veio a ter sobre o grupo posteriormente surgiu justamente por ele ter sido o que mais se empenhou para manter o nome do grupo na ativa após Dark Side of the Moon, com a companhia inseparável de Wright.
Lançado em setembro de 1975, Wish You Were Here rapidamente alcançou a primeira posição nos Estados Unidos e no Reino Unido, vendendo mais de vinte milhões de cópias ao redor do mundo, e abre exatamente com a nossa maravilha prog. Ela surgiu de uma simples sequência de apenas quatro notas na guitarra, criada por Gilmour, e que levou Waters a criar uma das mais belas letras que o rock progressivo forneceu em sua história. A ideia era homagear Syd, o guitarrista fundador da banda que havia desaparecido tanto dos palcos como dos estúdios e da vida dos ex-colegas de banda. Depois de sair do Floyd em 1968, Syd registrou Madcap Laughs e Barrett, ambos em 1970, e depois, literalmente sumiu do mapa.
Batizada de “Shine On You Crazy Diamond”, esta é a maior suíte do Pink Floyd, com mais de vinte e seis minutos de duração. Na letra, Waters exala toda a sua admiração pelo guitarrista, além também de uma profunda tristeza por não ter a presença do amigo ao seu lado. Projetada inicialmente para ocupar todo o Lado A do álbum, ela acabou sendo dividida, e ficou ocupando os sulcos do vinil tanto no início do Lado A quanto no encerramento do Lado B.
Nossa maravilha surge melancolicamente, com um longo acorde em Gm feito pelos sintetizadores. Sobre esse longo acorde, Wright executa tímidas notas com o sintetizador ARP String, que se tornaria marcante nesse e no álbum seguinte do Pink Floyd. Após essas tímidas notas, ainda sob o efeito do longo Gm, Gilmour passa a solar angelicamente, e então, os acordes dos sintetizadores alternam-se, ao mesmo tempo que Gilmour continua fazendo um dos solos mais belos de sua carreira.
A parte II inicia com o mesmo longo acorde em Gm, enquanto Gilmour executa apenas quatro notas na guitarra, que se tornaram épicas, símbolos de um dos mais importantes riffs do rock progressivo (assim como é o de “Smoke on the Water” do Deep Purple ou o de “Paranoid” do Black Sabbath). Mason surge, trazendo o baixo e o órgão hammond, e as notas da guitarra vão construindo o andamento da canção. Somos então apresentados ao tema básico de “Shine On You Crazy Diamond”, um leve e emocionante blues, criado pelas quatro notas da guitarra, o acompanhamento do órgão, baixo e bateria, e em cima dele, Gilmour desfila seus dedos suavemente, sem virtuosismo, apenas extraindo das cordas da guitarra o mais doce dos solos que pode ser executado por suas mãos.
O solo ganha vibratos, uma leve distorção, pequenas variações com a alavanca, e somos levados ao maravilhoso solo de Wright com o ARP String, que abre a terceira parte de “Shine On You Crazy Diamond”. É de chorar essa introdução. As notas de Wright, de tão simples, parecem serem enviadas por um Deus que criou tal melodia, e junto com o acompanhamento bluesístico, facilmente somos embriagados pelos ouvidos. Por fim, Gilmour retorna, fazendo um solo um pouco mais vigoroso, abusando dos bends, mas ainda assim, muito suave, encerrando a terceira parte da canção.
Waters começa a cantar a famosa frase “Remember when you’re young you shone like the sun. Now there’s a look in your eyes like black hole sin the sky“, abrindo a quarta parte da suíte, que narra momentos do passado e do presente de Barrett. O andamento bluesy continua, e aqui, o grande destaque é o sensacional arranjo vocal entoando o nome da canção, que conta com a colaboração de Carlena Williams e Venetta Fields (que curiosamente também esteve presente no álbum resenhado ante-ontem por Marcello Zapelini em nosso site, Eat It).
Gilmour executa um breve solo baseado em cima de um tema elaborado por guitarra, baixo e órgão, e a letra continua, contando sobre os delírios de Barrett, e novamente, arrepios brotam naturalmente de seu corpo devido as maravilhosas vocalizações.
O solo de Dick Parry no saxofone é a principal atração da quinta parte, começando lentamente com o sax soprano, tendo apenas o andamento bluesy ao fundo e um espetacular dedilhado de Gilmour. Mason pouco a pouco aumenta o ritmo da canção, e então o solo explode em um estupefante grave do saxofone tenor, com baixo e bateria fazendo a marcação cavalgante enquanto Gilmour dedilha sua guitarra, encerrando apenas com um longo acorde de sintetizador e Parry fazendo estripulias no saxofone, quase que em um free jazz.
O álbum aqui entra em “Welcome to the Machine”, que encerra o lado A com uma bela composição misturando violões e sintetizadores, destacando a introdução elaborada por Waters, sobrepondo diversos sintetizadores com diferentes ruídos, criando um clima futurista muito viajante. O Lado B abre com a pesada “Have a Cigar” (cantada por Roy Harper, criticando fortemente a indústria fonográfica da época e que é um embrião do que viria a se tornar o projeto The Wall), a clássica “Wish You Were Here”, e então, voltamos à nossa Maravilha Prog, com ventos abrindo a sexta parte da suíte após o final da faixa-título.
A marcação do baixo de Gilmour aparece, trazendo o baixo de Waters em um tom mais grave, e camadas de sintetizadores ao fundo. Guitarra e bateria entram, abrindo espaço para Wright solar com o ARP String, abusando de efeitos no mesmo. O andamento é lento, quase em um clima de filme científico, com muitas camadas de sintetizadores, mas aos poucos, vamos reconhecendo a melodia central de “Shine On You Crazy Diamond”.
Gilmour passa a solar no lap steel guitar, e o ritmo aumenta, voltando a ser o mesmo do final da Parte V. Os uivos da lap steel guitar são impressionantes, remetendo-nos claramente a “One of These Days”, e Mason manda ver nos pratos e na caixa, além do baixão de Waters retumbar pelo recinto.
Repentinamente, a guitarra então retorna com o tema central, entrando na Parte VII, que encerra a letra da suíte, dizendo “Nobody knows where you are how near or how far” e dizendo dos sentimentos e da falta que Barrett está fazendo aos amigos, na mesma melodia que ouvimos na Parte IV, com as mesma vocalizações.
Encerrada a letra, chegamos na Parte VIII, a qual começa com o dedilhado da guitarra, o mesmo que aparece no início da Parte V, e vira um delicioso funk, contando com Waters na guitarra, e Wright soltando-se nos estúdios, brincando no órgão com um belo solo, delirando com o moog e soltando a mão nos sintetizadores, enquanto o funk pega ao fundo.
Levemente, chegamos na última parte de “Shine On You Crazy Diamond”, com as camadas de sintetizadores sendo ouvidas por mais de três minutos. Quem comanda as ações aqui é apenas Wright, solando com o moog, cativando com os acordes do piano e viajando nas longas notas do sintetizador. Claro que o divino acompanhamento de baixo e bateria auxiliam ainda mais na pesada dose emocional exalada pelos poros do vinil nesses últimos três minutos do álbum, mas é Wright o responsável por arrancar suas lágrimas, fazendo o moog chorar palavras divinas, que nenhum ser-humano conseguiria reproduzir, encerrando essa Maravilhosa canção com um longo acorde do sintetizador, e as notas do moog saltitando alegremente por nossas caixas de som.
A melhor resenha sobre este ícone do rock progressivo (muito mais saborosa que todas as outras que soam muito clichê). Fiquei horas madrugada a dentro procurando este texto para mostrar para o meu filho que está descobrindo a magia floydiana.
Botei o vinil na vitrola e juntos curtimos todos os acordes, prestando muito mais atenção agora com todos os detalhes descritos aqui.
Parabéns para o Miron Machado e toda a equipe da Consultoria do Rock, que eu não conhecia, mas a partir de agora vou acompanhar.
Abraço!
Muito obrigado Marcelo. Bem vindo à Consultoria, e fique bem a vontade em nosso site. Abração para vc e seu filho
Sem dúvida nenhuma o Wish You Were Here é meu álbum favorito do Pink Floyd até hoje, a banda acertou em cheio ao dividir “SOYCD” aqui analisada em duas partes (a primeira para começar e a segunda para terminar o LP). Disco viajante e primoroso, que deixa o fã/ouvinte “confortavelmente anestesiado” (trocadilho com outra canção famosa da banda) diante de tamanha riqueza e qualidade. Parabéns pela matéria!
Valeu Igor. Abração e obrigado pelas palavras
Que é isso, patrão… Sempre á disposição!
Lembro-me de ouvir o LP original com meu irmão nos anos 70, mas como o disco estava muito castigado, foi “aposentado”; nos anos 80 comprei a coletânea “A Collection of Great Dance Songs” e me senti logrado, porque tinha aproximadamente 1/3 da música original! Só depois consegui o disco e aí que percebi a maravilha do original… Quando li o artigo decidi que não ia escrever nenhum comentário até ouvi-la de novo, mas é impossível colocar em palavras o que essa música passa. Obra-prima, sem dúvida!! E realmente podem até juntar Waters, Gilmour e Mason, mas sem Wright não tem mais Pink Floyd – essa música é uma prova.