Discografias Comentadas: Mötley Crüe (Parte II)

Discografias Comentadas: Mötley Crüe (Parte II)

Por Pablo Ribeiro

Depois do absurdo sucesso de Dr. Feelgood (1989) e da sua turnê de divulgação, seguidos pelo lançamento da coletânea Decade Of Decadence, dois anos depois. O Mötley Crüe assinou um contrato de 25 milhões de dólares com a Elektra Records, que apostou na continuidade do sucesso dos caras. Os membros da banda, por sua vez, ignoraram totalmente o cansaço de 3 anos consecutivos de gravações e turnês, e se trancaram em estúdio para gravar o sucessor de Dr. Feelgood, em 1992. Sob o título provisório de ‘Till Death Do Us Part, as sessões de gravação logo no início viraram um verdadeiro inferno, quando Sixx, Lee e Mars entraram repetidas vezes em confronto (verbal e físico) com o vocalista Vince Neil. Como resultado, a banda acabou ficando sem vocalista, em episódio mal explicado até hoje, onde não ficou claro se o vocalista teria se mandado, ou levado um belo pé na bunda, já que praticamente cada um dos integrantes tem uma história diferente para contar!


1_Motley_Crue_STMötley Crüe [1994]

Com a pressão da gravadora por novo material – e sem cantor – sobrou para Nikki Sixx (o chefão incontestável da banda) encontrar um substituto para Neil. O escolhido foi o vocalista e guitarrista americano John Corabi, que havia chamado a atenção de Sixx em seu trabalho com a banda Scream (o primeiro disco dos caras, Let It Scream de 91, é um dos discos prediletos do baixista), que dias depois de recrutado, já estava em estúdio colocando sua voz – e algumas partes de guitarra – nas músicas construídas, além de contribuir com novas composições. O resultado dessas gravações foi o álbum que levava apenas o nome da banda como título. Mötley Crüe foi lançado no começo de 1994, e era consideravelmente diferente do Mötley de até então, com um som mais grave e “fechado”, influência da cena Grunge que tomava conta na época. Longe de ser ruim, a bolacha dividiu os fãs, alguns abraçaram essa nova sonoridade, enquanto outros reclamavam de uma suposta perda de identidade da banda. Apesar de Corabi ser um excelente cantor (tecnicamente muito superior a Neil), e o disco possuir músicas muito boas, as vendas naufragaram miseravelmente, assim como o retorno dos fãs tradicionais foi bem negativo. Isso se deve não só ao direcionamento musical – e à troca de vocalista – do álbum, mas a toda uma mudança na indústria da música. Pra piorar, a relação da banda com a MTV (canal que à época transmitia música, não reality-shows para adolescentes desmiolados, e tinha um enorme poder de marketing) que nunca foi uma maravilha, desandou de vez quando Sixx esmurrou um apresentador, arrancando alguns dentes do infeliz. Para coroar a má fase da banda,  O primeiro disco solo de Vince Neil, o excelente Exposed, lançado um ano antes (e que trazia os ótimo guitarrista Steve Stevens, da banda de Billy Idol), tinha muito mais a ver com o Mötley Crüe, e era musicalmente mais impactante para os fãs tanto de Neil quanto do Crüe. Apesar de todos esses fatores negativos, musicalmente o álbum é muito bom, com um som maciço e bem produzido (novamente por Bob Rock). “Hooligan’s Holiday“, a balada “Misunderstood” (com backing-vocais da lenda Glenn Hughes) se tornaram singles com direito a video-clipes, em um álbum de qualidade regular, onde todas as músicas possuem qualidade, mas está longe de ser o Mötley Crüe de verdade. Aqueles que os fãs queriam ver e ouvir.

B_Corabi_Years
O Crüe na época de John Corabi

2_Generation_SwineGeneration Swine [1997]

Com o naufrágio das vendas, a reação negativa do álbum anterior, e a pressão da gravadora por melhores resultados, o Mötley Crüe novamente se encontrava numa sinuca de bico. A solução encontrada por Sixx foi simples (pra ele, claro): não pestanejou e mandou Corabi embora, causando um mal-estar, principalmente em Tommy Lee, que havia desenvolvido uma forte amizade com Corabi (Tommy já era um desafeto de Neil há pelo menos meia década, na ocasião). Com as relações estremecidas, e aprovação de gravadoras e empresário, Vince Neil era novamente o vocalista da banda (depois do fracasso de vendas de seu segundo disco solo, o irregular Carved In Stone de 1995). Com a poeira baixa, o quarteto novamente entra em estúdio, para aquele que seria o disco mais polêmico da banda. Intitulado Generation Swine, o sétimo disco de estúdio do Mötley Crüe chega nas lojas no meio de 1997, chocando virtualmente todos os fãs do conjunto. Este é, até o presente momento, o disco mais experimental e audacioso do Mötley Crüe, incorporando elementos de música industrial aos resquícios Grunge do lançamento anterior, sem no entanto, deixar de lado o Hard/Heavy que havia consagrado a banda. Mesmo com uma parcela significativa dos fãs (notadamente os mais xiitas) execrando o material, e a mídia “especializada” (entre aspas, frise-se) decretando o fim do conjunto, Generation Swine está longe de ser um álbum ruim, mas por seu caráter desafiador, e por se distanciar de muitas das características que sedimentaram a identidade da banda no decorrer de sua carreira, acabou por afastar – e enfurecer – praticamente todos os fãs do grupo. Sujo, pesado, debochado e marginal, de uma forma desconcertante para quem esperava o Mötley Crüe dos anos 80. Nada de se estranhar, vindo de uma banda que desde o início desafiou os limites de seu público e da indústria musical (em seus mais de trinta anos, o grupo se recusa a ter um logotipo definido, por exemplo) e os próprios, como artistas. A maioria dos detratores do material se prenderam mais na mudança proposta pela produção do álbum (a cargo de Scott Humphrey) do que pelas composições, propriamente ditas. Composições essas que, se escutadas com atenção, e a cabeça aberta (coisa não muito comum entre fãs de rock em geral, convenhamos), mostram muito bem um MC fazendo exatamente o que sabe: Rock And Roll sujo, provocante e agressivo. Basta prestar atenção em músicas como “Afraid” (que gerou um clipe muito bacana, com a participação de Larry Flint, famoso criador da revista erótica Hustler e amigo dos integrantes da banda), “Find Myself” (com uma letra totalmente MC, onde Neil esbraveja por suas drogas e eu álcool. Lúdico!), “Beauty”, com seu clima debochado e claro a contagiante faixa título. Até a balada “Afraid” (composta em parceria com o cantor/guitarrista canadense Bryan Adams) é legal, desde que não se espere uma “Home Sweet Home” por exemplo. Há pisadas na bola? Sim! A principal dela, uma desnecessária versão remixada do clássico “Shout At The Devil do disco homônimo, e um par de canções contando com vocais de Sixx e Lee. Generation Swine é mais um disco contraditório do que péssimo, já que apesar de conter ótimas composições, peca pela execução e estética das mesmas.


3_New_TattooNew Tattoo [2000]

Se a qualidade de Generation Swine era uma questão de opinião (e de muita cabeça aberta, diga-se), o desmoronamento das relações interpessoais dentro da banda era fato. Se antes Tommy Lee e Vince Neil já não não mantinham uma relação de amizade, desde a volta do vocalista, ambos haviam se tornado inimigos declarados, por inúmeros motivos de ordem pessoal e profissional (lembremos que ambos, assim como Nikki possuíam egos enormes potencializados pelos anos de fama, fortuna e drogas), e chegaram a sair na porrada algumas vezes.  Em certa ocasião, já em 1999, Tommy, na condicional por ter sido mais imbecil que o normal e agredido sua esposa (a Baywatcher Pamela Anderson), foi provocado por Neil, que intencionava que o baterista fosse – de novo – pro xadrez. Lee resistiu a tentação de dar uma sova em Neil, mas mandou o grupo às favas e caiu fora, deixando novamente Sixx com o pepino da troca de um integrante na mão. Como a popularidade da banda havia crescido com o retorno de Neil, Nikki Sixx não quis perder tempo, recrutando para as baquetas o experiente Randy Castillo, que tinha no currículo trabalhos com Ozzy Osbourne e Lita Ford, entre outros. Natural do Novo México, Castillo se encaixou bem na banda, e se deu relativamente bem com os outros integrantes (apesar de não ter o carisma de Lee). O grupo então lançou, em 2000, New Tattoo, que, apesar de conter uma sonoridade mais próxima aos seus trabalhos mais tradicionais dos anos 80, trazia canções sem a mesma malandragem de outrora (inclusive em comparação com o álbum anterior). Mesmo com várias melodias “ganchudas” e passagens acessíveis (algumas quase pop) o álbum não teve o impacto esperado pela trupe e, na turnê de divulgação do mesmo, apesar de geralmente contar com shows com um bom público, a energia da banda não se mostrava 100% presente, e Neil claramente não era mais o mesmo, com a qualidade de sua performance muitas vezes bem abaixo da média. Grande parte desses shows teve a baterista Samantha Maloney substituindo Castillo, acometido por um câncer que acabou por vitimá-lo em 2002. New Tattoo produziu três singles: “Hell On High Heels“, “Threat Me Like A dog I Am” e a faixa título.

C_Live
A volta de Neil

4_Saints_OfLos_AngelesSaints Of Los angeles [2008]

Com o fim da turnê de divulgação de NT, o Mötley Crüe (por enquanto um trio, já que Lee ainda estava desligado da banda), entrou em um hiato velado. Lee ocupava-se com seus trabalhos solo, Sixx tocava sua nova banda, Sixx A.M. (com o vocalista de estúdio James Marshall). Neil se metia no negócio de transporte aéreo, e Mars… continuava sendo Mars: cada vez mais misterioso e recluso. Alguns já davam a carreira do Mötley Crüe como acabada, quando, em 2005, o grupo lança a coletânea Red, White And Crüe, contendo duas composições inéditas (três, para o mercado japonês) e um cover “Street Fighting Man” dos Rolling stones, todas contando com a formação original do grupo. O apanhado de sucessos deu o pontapé para uma lucrativa turnê de grande sucesso, que rendeu o excelente DVD Carnival Of Sins. Após o fim do giro, o grupo anuncia que está trabalhando em material para um novo disco, que seria baseado em The Dirt, autobiografia do grupo lançada em 2002, o que fez o do álbum o primeiro lançamento conceitual do conjunto. Em abril de 2008 o single para a música “Saints Of Los Angeles” foi lançado, agradando fãs e admiradores da banda. Parecia que o velho Crüe estava de volta com força total. O álbum completo, também lançado em 2008 trazia algumas mudanças em relação a sua concepção original: passava a ser um álbum apenas baseado de forma geral com algumas passagem do livro supracitado, e não mais uma trilha sonora para The Dirt. Como consequência, o álbum (que teria o mesmo nome do livro) passa a ter o mesmo título de seu primeiro single. Bem mais consistente que seu antecessor, em termos musicais, Saints Of Los Angeles traz várias canções fortes que trazem passagens remetendo aos tempos áureos da banda, mas, no todo, perde um pouco aquela malandragem debochada dos anos de inconsequência dos integrantes da banda, e tem certo ar de melancolia em certos momentos que parecem antagônicos à atitude “soco-na-cara” que se tornou marca registrada do som dos caras desde sua concepção. Consequência da parceria de Sixx com James Marshall e DJ Ashba (vocalista e guitarrista, respectivamente), ambos parceiros do baixista no Sixx A.M. fazendo – juntamente com o som mais “moderno” de guitarras – com que muitas passagens tenham mais a ver com a banda de Nikki do que com o material do Crüe, propriamente dito (“The Animal In Me” é o melhor exemplo). A dupla Marshal contribuiu ativamente na composição de todas as treze músicas. Ashba, de 12. De qualquer forma, não faltam músicas de qualidade no álbum. Dentre elas, destaque absoluto para a canção título, “White Thrash Circus” (com um groove bem bacana), “Chicks = Trouble” (que título!) e “Motherfucker Of The Year” (outra que merece um troféu pelo título). O resto do material segue certa regularidade, não manchando a carreira da banda. Mas, ainda assim, aquém dos materiais clássicos dos caras.

Mick Mars,Nikki Sixx, Vince Neil e Tommy Lee
Mick Mars,Nikki Sixx, Vince Neil e Tommy Lee

Após o lançamento do álbum, o Mötley Crüe saiu em mais uma turnê com excelentes retornos (financeiros, claro), que acabou gerando o DVD CrüeFest no qual o quarteto fechava a noite do festival que ainda contava com outras bandas. O quarteto ainda lançaria 2 singles: “Sex” (2012) e “All Bad Things Must End”, de 2015 que – como sugere o título – selaria o fim da banda, que fez uma tour de despedida (rendendo um DVD fraquíssimo). Os caras como sempre transformaram a tal despedida em circo e até contrato garantindo que nunca mais tocariam juntos, assinaram. E fim de papo.

Ou não. Com o sucesso da adaptação cinematográfica meia-boca (veiculada pelo Netflix) da excelente biografia The Dirt, os dólares NOVAMENTE falaram mais alto e os caras – com a desculpa de que os fãs (sei!) queriam ver a banda ao vivo mais vezes – e literalmente explodiram o tal contrato que teoricamente sepultava o Mötley Crüe e vão novamente embarcar em uma tour (adiada por causa da Covid-19)! Francamente, depois dessa, encerro minha resenha por aqui.

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