Datas Especiais: 40 Anos de Holy Diver
Por Mairon Machado
O ano é de 1982. O britânicos do Black Sabbath vivem uma fase áurea. Com o lançamento de Mob Rules, o grupo retorna para as bocas dos fãs e da mídia mundial, já que este é o segundo álbum de uma nova era, agora com os vocais do baixinho Ronnie James Dio. Tony Iommi (guitarras) e Geezer Butler (baixo) haviam perdido o baterista Bill Ward para os excessos da estrada, e o jovem Vinnie Appice (irmão do virtuose Carmine Appice) era quem dava o gás para o grupo.
Uma extensa turnê ao lado do Blue Öyster Cult, com shows completamente lotados, os dois álbuns dessa nova fase (Heaven and Hell e Mob Rules) vendendo como nunca antes na história do grupo, era a hora de lançar o primeiro disco ao vivo, para consagrar de vez aquilo que todos já comentavam: O Black Sabbath de Ronnie James Dio era a maior banda de rock do início dos anos 80.
Live Evil foi lançado em dezembro daquele ano, e foi marcado por inúmeras polêmicas. A mais grave: Dio e Appice teriam mudado a mixagem do som, buscando destacar suas partes e deixando as partes de Iommi e Butler escondidos. Indignados, Iommi e Butler mudaram a mixagem novamente, e essa briga durou alguns dias, até o álbum chegar às lojas com uma mixagem que para a maioria dos fãs, não possui nenhum destaque maior para algum instrumento.
O fato é que havia um desgaste na relação do quarteto. Os horários combinados para o trabalho não eram cumpridos, e enquanto Dio e Appice trabalhavam das 14 as 16 horas, Iommi e Butler trabalhavam no início da noite. Um dos proprietários do local de mixagem acabou fazendo a “intriga”, e originando toda a confusão, que acabou tendo como solução a saída prematura de Dio, antes mesmo do lançamento de Live Evil.
O vocalista indignou-se com o tratamento e as acusações recebidas, saindo sem rumo, mas não tardou para que a ideia de seguir em carreira solo brotasse em sua mente, e o primeiro passo foi unir forças com Appice, o outro membro do Black Sabbath que também estava envolvido no “Caso Mixagem”. Em outubro de 1982, o mundo era apresentado ao Dio, apresentando ao mundo o jovem e talentoso guitarrista Vivian Campbell, o qual havia gravado apenas dois singles com o Sweet Savatage. Completava o quarteto o baixista e tecladista Jimmy Bain.
O grupo entrou rapidamente nos estúdios, e de lá, saiu com o seu primeiro álbum, lançado exatamente há 40 anos, no dia 25 de maio de 1983. Holy Diver, além de marcar a estreia vinílica de Vivian Campbell, é um importante marco para o hard rock. Nele, Ronnie James Dio fundiu o que havia aprendido no Rainbow com o que havia criado no Black Sabbath, ou seja, letras fantasiosas com peso, e graças ao super time que o acompanhou, entrou para a eternidade como um dos melhores discos da carreira do baixinho. Ao lado de Campbell, é a atração maior nas canções, já que enquanto o primeiro mostra-se com solos virtuosos e riffs fantásticos, Dio canta livre das amarras e da sombra dos guitarristas que o acompanharam anteriormente, fazendo uma performance impecável.
O álbum já surge nas caixas de som com a pancada “Stand Up and Shout”, com um riff pegado, lembrando os bons tempos do Rainbow de Rising, e é impossível ficar parado com esse sonzão, e principalmente, não vibrar com os solos de Campbell. Na sequência, a imortal e sombria faixa-título, com o riff sabbáthico e o andamento arrastado que modifica totalmente o clima inicial do álbum. Os efeitos nos teclados no início da canção são daqueles momentos para gelar a alma. Cinco minutos e cinquenta e um segundos que registram o que significa o nome de Ronnie James Dio para o rock.
Voltando para os hards, “Gypsy” é um soco no queixo, com mais uma introdução pegada, um riff grudento e Dio gritando como nunca, além de o solo de Campbell ser uma bonita disputa com os solos de nomes como Jake E. Lee (para comparar com o guitarrista que acompanhava Ozzy Osbourne na época). O riff de “Caught in the Middle” soa moderno, assim como a canção em geral foge totalmente do que havíamos ouvido com os vocais de Dio até então. O lado A encerra-se com “Don’t Talk to Strangers”, cuja introdução lenta, é apenas uma enganação para os fãs, já que seu andamento é veloz e muito pegado, também distinto da obra de Ronnie James Dio até então, culpa principalmente do talento de Campbell, responsável por outro grande solo.
O Rainbow aparece novamente em “Straight to Your Heart”, faixa que abre o Lado B tendo uma interessante introdução feita por Appice, e com muito peso durante seu desenvolvimento, além de Campbell criando um riff grudentíssimo, seguida pela incrível “Invisible”, saída de algum álbum obscuro da NWOBHM, com uma das mais belas introduções da carreira de Campbell, fazendo um solo genial e mais uma vez, despejando peso para Ronnie James Dio entoar sua voz.
A clássica “Rainbow in the Dark” aparece nos auto-falantes, trazendo os teclados de Jimmy Bain, e outro riff sensacional criado por Campbell, esbanjando virtuosismo em seu solo, e o álbum encerra-se com os lobos uivantes na introdução de “Shame on the Night”, seguida pelo riff pesadíssimo, que poderia estar em qualquer um dos LPs de Dio ao lado Black Sabbath. As brincadeiras harmônicas de Campbell, e a rasgação de garganta de Dio (dificilmente você irá ouvir outra canção com Ronnie cantando tanto), unem-se ao andamento arrastado de Appice e Bain, e deixam “Shame on the Night” em um patamar elevado dentre as favoritas canções do Dio.
O single de “Holy Diver” (contendo “Evil Eyes” e “Don’t Talk to Strangers no Lado B) ficou entre os 40 mais vendidos nos Estados Unidos, e teve posições modestas na Alemanha (52), Suécia (60) e Reino Unido (72). Seu vídeo-clipe apresentou o grupo com um visual diferente do que os seguidores de Ronnie Dio estavam acostumados a ver, com o vocalista fazendo o papel de um lutador medieval com poderes mágicos.
Já o single de “Rainbow in the Dark” (com versões ao vivo para “Stand Up and Shout” e “Straight Through the Heart”) não fez tanto sucesso nas vendas, mas a canção tornou-se um hino para os fãs. A canção quase ficou de fora do álbum, pois Ronnie achou-a demasiadamente pop. Porém, os demais membros do Dio gostaram do resultado final, e assim, ela foi a última canção a entrar no álbum. Outro fato importante relaciona à Holy Diver está na marcante presença do mascote do grupo, Murray. O demônio-monstro surge no céu, entre as montanhas, assassinando um sacristão, o que causou certa polêmica.
O principal é que há 40 anos, Holy Diver soltava as amarras de Ronnie James Dio para navegar pelos sete mares, e principalmente, trouxe ao mundo o fabuloso Vivian Campbell, que ainda gravou mais dois discos com Dio, The Last in Line (1984), outro álbum importantíssimo para o heavy metal nacional, e Sacred Heart (1985), um disco que mergulhou ainda mais nos temas fantasiosos elaborados por Ronnie Dio.
Track list
1. Stand Up and Shout
2. Holy Diver
3. Gypsy
4. Caught in the Middle
5. Don’t Talk to Strangers
6. Straight Through the Heart
7. Invisible
8. Rainbow in the Dark
9. Shame on the Night
Até hoje eu não consigo decidir se prefiro este disco ou o “Last in Line” – mas ainda tenho um carinho especial pelo segundo disco porque para mim a faixa-título é a melhor coisa que o pequeno grande homem gravou em sua carreira solo. Dio e a banda estavam a mil por hora, com músicas muito boas e uma interpretação fantástica. Imagino se Tony Iommi e Geezer Butler ouviram o disco na época – como “Born Again” foi marcado por muitos problemas, “Holy Diver” deve ter feito os dois pensarem a bobagem que fizeram quando botaram Ronnie para correr. “Rainbow in the Dark” até hoje é uma das minhas favoritas do Dio, sempre adorei o som do teclado no início. E até hoje – já que o livro da box set que resenhei um tempo atrás não esclarece – não sei se foi o próprio Dio ou se foi Jimmy Bain que tocou esses teclados…