Discografias Comentadas: Pixies
Por Micael Machado
O quarteto norte-americano Pixies iniciou sua trajetória em 1986, na cidade de Boston, estado de Massachusetts, quando a dupla de estudantes da universidade local Joey Santiago (guitarra) e Charles Thompson IV (guitarra, violões e vocais) decidiu montar uma banda, após Charles voltar de um intercâmbio em Porto Rico. Com a adição da baixista e vocalista Kim Deal (que a revista Bizz uma vez definiu, com propriedade, como “o mais belo sorriso do show business mundial”) e do baterista David Lovering, a formação clássica e permanente do grupo estava criada, com Charles adotando o nome artístico de Black Francis. O nome foi escolhido aleatoriamente por Santiago em um dicionário, e significa algo como “pequenos duendes travessos”.
Com uma carreira que durou até 1993 (a banda se reuniria em 2004, porém sem gravar novo material), o Pixies é um daqueles casos de bandas que não obtiveram um sucesso comercial massivo em sua época, porém foram tão influentes e importantes, que as bandas que surgiram inspiradas por eles acabaram fazendo com que fossem descobertos por uma geração que não os acompanhou enquanto estavam na ativa. Para termos uma ideia de sua importância, Kurt Cobain (Nirvana) comentou que “Smells Like Teen Spirit”, talvez a música mais importante do rock dos anos 90, foi composta porque ele queria “fazer uma canção que soasse como o Pixies”. Chegou perto…
Confira então a trajetória dos duendes:
Come On Pilgrim [1987]
A primeira demo da banda, conhecida como “Purple Tape” (por causa da cor de sua capa), rendeu ao conjunto um contrato com a gravadora independente 4AD, a casa dos Pixies durante toda a sua carreira. Desta demo, a gravadora selecionou oito faixas e lançou o EP de estréia do quarteto, intitulado Come On Pilgrim. Em pouco mais de vinte minutos, os Pixies apresentam seu cartão de visitas para o mundo, com uma música diferente dos estilos populares da época, com ênfase em guitarras distorcidas, mas nem tão pesadas quanto às do heavy metal (misturadas às levadas de violão do vocalista), nos vocais ora gritados, ora melódicos, ora declamados de Black Francis, o baixo e os maravilhosos backing vocals de Mrs. John Murphy (Kim Deal, que só mais tarde passaria a assinar com seu nome real), os solos por vezes esquisitos (mas sempre maravilhosos) de Joey Santiago, e a bateria precisa e concisa de David Lovering. O tempo que Francis passou em Porto Rico serviu para que ele aprendesse espanhol, e a língua é usada em músicas como “Vamos” e “Isla de Encanta“, o que se tornaria uma espécie de tradição do grupo. Nas outras seis faixas, músicas que se tornariam clássicas no repertório do conjunto (“Caribou“, “The Holiday Song”, “Nimrod’s Son“), e a certeza de que a música nunca mais seria a mesma novamente. O EP seria lançado anos depois como bônus do CD do disco seguinte, facilitando a vida de colecionadores que o procuravam arduamente.
Surfer Rosa [1988]
Pouco mais de meia hora bastaram para o Pixies assumir seu lugar como uma das mais importantes e influentes bandas dos anos 80. Este foi o primeiro disco do grupo que ouvi, lá por 1990 ou 1991. Na época, com os ouvidos entupidos de Metallica, Iron Maiden e Slayer, além do sempre presente punk rock, não compreendi muito bem o som deste disco, bem diferente daquilo a que eu estava acostumado. A essência do que se costuma chamar de alternative rock está aqui, um tipo de som que anos depois ficaria conhecido em todo o mundo graças ao disco Nervermind, do Nirvana. Tudo o que tornou o time de Kurt Cobain famoso está aqui, até o produtor Steve Albini, não por acaso o mesmo de In Utero, álbum de despedida da banda de Seattle. O disco é uma evolução em relação ao primeiro EP, e, além da clássica “Where Is My Mind“, o maior “hit” do play, merecem destaques a calma e doce “Gigantic” (a canção mais melódica do grupo até então, e a primeira do catálogo do Pixies a contar com Kim Deal nos vocais principais, com sua voz sensual e insinuante), “Something Against You”, “Oh My Golly!“, “Bone Machine” e uma nova versão para “Vamos“. Surfer Rosa é um dos grandes discos de estreia da história do rock, mas o melhor ainda estava por vir.
Doolittle [1989]
O primeiro disco gravado com aquele que se tornaria o produtor definitivo do quarteto, o britânico Gil Norton (que também trabalhou com Throwing Muses, Pere Ubu, Sum 41 e Foo Fighters, entre muitos outros), Doolittle mostra em pouco mais de 38 minutos uma cartilha que muitas das bandas de sucesso dos anos 90 e do século XXI seguiriam à risca (pode incluir aí nomes como Nirvana, Mudhoney, The Strokes, Franz Ferdinand, Arctic Monkeys e várias outras), alcançando, após o sucesso destas, um reconhecimento que o Pixies nunca recebeu enquanto na ativa. Um dos melhores discos da década de 1980, e que em um mundo ideal seria venerado e adorado como o clássico que realmente é, Doolittle parece uma coletânea, de tantas músicas boas que contém, sendo que grande parte delas tornaram-se obrigatórias nos shows do grupo (e deveriam ser também nos players de quem gosta de rock). “Debaser” (com letra inspirada no filme “Um Cão Andaluz”, de Luiz Buñuel), “Tame” (com sua sequência de gemidos eróticos entre Francis e Deal), “Wave of Mutilation“, “Here Comes Your Man“, “Monkey Gone To Heaven“, “La La Love You” (cantada pelo baterista Lovering), “Hey” e “Gouge Away” (e sua hipnótica linha de baixo) são clássicos não só do indie rock, mas da música em geral, daquele tipo raro que, assim que acabam, fazem você voltar a agulha (ou o laser, ou ainda o botão de repeat, dependendo do caso) e querer escutar tudo de novo. Doolittle é essencial na prateleira de quem se diz apreciador de rock. Não há nada mais que precise ser dito.
Bossanova [1990]
Após quase se separar durante a turnê de Doolittle, com Black e Joey de um lado e Kim de outro, devido ao desejo desta de incluir mais músicas de sua autoria no repertório da banda, indo contra o domínio artístico de Francis, o principal compositor e cantor do grupo, o que por pouco não causou a demissão da baixista ao final da tour de promoção do LP; a banda pisou no freio, e apareceu com um disco que mostrava novos caminhos para sua música. A surf music dos anos 50, até então uma influência insuspeita na obra dos Pixies (com exceção de alguns solos esparsos perdidos no meio da barulheira do grupo), aparecia com força, como na abertura instrumental de “Cecilia Ann“, nas baladas “Havalina” e “Ana”, e na eficiente “Blown Away”. A sombria e gótica “Velouria” foi o grande sucesso do álbum, mas músicas como a malemolente “Dig For Fire” e a curta “Allison” (cujos videoclipes se completam quando tocados juntos) também merecem destaque. “Rock Music” e “Hang Wire” mostravam que nem tudo estava diferente no universo do quarteto, neste disco que foi um pouco incompreendido na época devido à sua sonoridade diferente dentro do catálogo do grupo, mas que hoje em dia tem o merecido reconhecimento por parte dos fãs do Pixies.
Trompe Le Monde [1991]
O último álbum dos Pixies escancarava de vez o domínio de Black Francis sobre os outros membros, sendo ele o autor de todas as composições, à exceção de “Head On“, cover do Jesus and Mary Chain, e que é um dos destaques do disco, tendo um dos videoclipes mais legais já gravados na história da música. Com uma sonoridade mais próxima das origens da banda (distanciando-se da proposta mais calma e elaborada de Bossanova), Trompe Le Monde trazia canções típicas da sonoridade do quarteto, como “Planet of Sound“, “Alec Eiffel” e “Subbacultcha”. As influências da surf music, entretanto, não foram totalmente abandonadas, como em “Letter to Memphis” e “Motorway to Roswell”. As letras sobre o espaço sideral, sempre presentes na temática de Black, aparecem com destaque ainda maior neste disco, como nas citadas “Planet of Sound” e “Motorway to Roswell”, além de “Space (I Believe In)”. Após a turnê, os conflitos entre Francis e Deal (que tem uma participação bastante reduzida no álbum, praticamente não fazendo nenhum dos seus tradicionais “backing vocals” e não cantando nenhuma canção) finalmente levaram à dissolução do Pixies, com Francis assumindo uma carreira solo sob o nome Frank Black, e Kim Deal se dedicando de vez ao Breeders, banda que mantinha paralelamente ao grupo já havia algum tempo.
Como o nome já entrega, esta é uma compilação dos lados B dos singles da banda, lançada após a separação do quarteto. As influências de surf music estão em evidência em músicas como a versão “UK Surf” de “Wave Of Mutilation” (tão distinta da original que a banda passou a apresentar as duas versões ao vivo, dentro do mesmo show), “The Thing”, “Velvety Instrumental Version”, “Theme From Narc” e “Santo” (homenagem à dupla Santo & Johnny, que gravaram a clássica “Sleep Walk”). Mas as típícas pauladas dos Pixies não foram esquecidas, vide “Manta Ray”, “Weird At My School”, “Into The White” (cantada por Kim Deal) e a quase country “Build High“. As letras em espanhol são retomadas, em músicas como “Evil Hearted You”, na versão ao vivo de “Vamos”, e em partes da já citada “Santo”. Assim como aconteceu com “Head On”, novamente a banda resolveu gravar versões cover, sendo que desta vez o homenageado foi o bardo canadense Neil Young, de quem os Pixies gravaram “Winterlong” e “I’ve Been Waiting For You”, que se destacam no track list deste álbum. Apesar de não trazer temas inéditos, é um disco essencial no catálogo da banda, pois muitas de suas canções são bem difíceis de encontrar em suas versões singles originais, ainda mais no Brasil.
As nove músicas da primeira demo que ficaram de fora do EP Come On Pilgrim foram lançadas sob o título original, Purple Tape, em 2002. Com duração de pouco menos de 18 minutos, o EP traz as versões originais de canções que seriam regravadas posteriormente pelo Pixies, como “Here Comes Your Man”, “Down to the Well” e “Subbacultcha”, além de faixas que acabaram “esquecidas” pelo grupo, como “Rock a My Soul” e “In Heaven”, que, apesar de bastante executada ao vivo, tem aqui seu único registro de estúdio. Válido para os apreciadores do quarteto, mas pouco interessante para quem ainda não está inteirado do universo do Pixies.
Em 2003, o grupo decidiu se reunir, fazendo uma extensa turnê mundial no ano seguinte (vindo inclusive ao Brasil, para um concorridíssimo show em Curitiba). Desde então, a banda vem excursionando constantemente, mas nenhum material novo foi lançado, à exceção do single digital “Bam Thwok”, de 2004. Vários CDs ao vivo foram lançados no esquema instant live (onde você compra o disco do show que assistiu poucos minutos após o mesmo acabar), principalmente nos Estados Unidos, e pelo menos três DVDs com apresentações ao vivo surgiram no mercado, com destaque para Live in Newport, que mostra uma apresentação acústica do quarteto no famoso Newport Folk Festival, em 2005. O jeito é continuar aguardando que um novo álbum de estúdio apareça, e seguir reverenciando esta que é uma das poucas bandas que pode se orgulhar de ter ajudado a mudar a cara da música mundial, os “pequenos duendes travessos” do Pixies.
Pixies em 2009: Kim Deal, Joey Santiago, David Lovering e Black Francis |
Não conheço o grupo, mas se foi inspiração pro Nirvana, já fico com um pe atrás. Um dia ouvirei doolittle e bossa nova com calma, mas pelo jeito, tenho q começar com o surfer rosa, que alias, sempre ouvi falar bem.
Banda rara, e cuja matéria é bem incentivadora para se conhecer
Doolittle e Sufer rosa sao dois discaralhaços. Bossanova é um disco estranho pra mim. Não consegui entender esse trabalho deles.
Bossanova e excelente.seu sucessor trompe le munde apesar de revigorante e pauleira,não conseguiu a proposta do anterior.bossanova estava muito a frente de seu tempo