Selos Lendários: Vertigo
Por Ronaldo Rodrigues
Continuando na Inglaterra, é hora de abordar aquele que talvez seja o mais lendário entre os selos lendários: Vertigo.
Assim como a Famous Charisma Label, a Vertigo iniciou suas atividades no ano de 1969, uma espécie de ponto de inflexão da música beat para um tipo de rock com mais profundidade e mais aberto a experimentações. A própria criação da Vertigo, da Charisma e de outros selos já abordados nessa seção (e outros que ainda virão) é uma evidência nítida de que, sim, os tempos haviam mudado.Junto com a Deram e a Harvest, que também eram subsidiárias de grandes companhias fonográficas, a Vertigo foi uma aposta da Philips/Phonogram para adentrar no promissor mercado do rock progressivo e da art-rock em geral.
A Philips é uma multinacional de origem holandesa, fundada na década de 50 e que, assim como várias outras empresas deste ramo naquela época, fabricava equipamentos de som (atividade que continua fazendo até hoje) e produzia discos para serem executados em seus aparelhos. A Phonogram foi uma fusão entre a Philips e a alemã Siemens & Halske, que havia adquirido a Deutsche Gramophon (uma das pioneiras na fabricação de gramofones na Europa, fundada no longínquo ano de 1898) e com essa aquisição, entrou para o mercado da música. Em 1972, esta fusão passou a atender pelo nome de Polygram e hoje, todas essas estampas estão debaixo do
guarda-chuva da major Universal Music (inclusive, a pauta de hoje, o selo Vertigo). Antes da fundação da Vertigo, a Philips/Phonogram colocava no mercado alguns discos e artistas que apontavam para essa nova seara musical sob o selo Fontana. A Fontana lidava com jazz e com música jovem nos anos 60, sendo responsável por lançar, em alguns países, discos de Pretty Things, Manfred Mann, Spencer Davis Group, Spooky Tooth, Jethro Tull, Traffic, entre outros. Porém, para uma estratégia mais direcionada e de maior impacto, os executivos da Philips/Phonogram decidiram criar um novo selo, com uma nova concepção e com uma identidade que fosse forte o suficiente para ser associada imediatamente, seja pelo som ou pelo impacto visual, ao rock progressivo e suas derivações.
Quem encabeçou o projeto do novo selo foi um executivo do departamento de criação da Phonogram, chamado Olav Wyper. Olav tinha autonomia e recursos (naqueles bons tempos da poderosa indústria fonográfica) para conduzir as coisas com a liberdade necessária. Àquela altura, Olav Wyper contatou o produtor Gerry Bron (que depois veio a fundar seu próprio selo, a Bronze Records), que tinha em seu portfólio bandas bastante proeminentes da cena britânica – Uriah Heep, Colosseum, Juicy Lucy e Manfred Mann’s Chapter Three. Estes foram alguns dos primeiros contratados da Vertigo.
A ideia era apostar em novos talentos, já que um mercado para este tipo de som já havia se estabelecido. A Vertigo, contudo, foi capaz de bancar ousadias superiores a de outros selos. A maior delas (e que lhe permitiu seu maior reconhecimento) foi ter um leque de atuação em vários países, inclusive, com condições para assinar com artistas locais, não limitando-se a colocar em outros mercados os lançamentos vindos de sua base na Inglaterra. A Vertigo lançou bandas australianas, italianas, japonesas, alemãs, norte-americanas, canadenses, francesas, holandesas, gregas, entre outras, e tinha lançamentos direcionados para países ainda não muito explorados pelo mercado fonográfico, como os da América Latina, Oriente Médio e do Sudeste Asiático.
Além disso, o cuidado com a parte gráfica tornou icônicos os lançamentos do selo. Seu distinto logotipo (conhecido entre os colecionadores como o selo “swirl”) criado pela designer Linda Nicol, propiciava um fantástico efeito visual quando girava na vitrola. Dois artistas gráficos talentosíssimos assinaram diversas capas do selo – o fotógrafo Marcus Keef e o desenhista Roger Dean. Somado a isso, muitas capas tinham detalhes que tornavam aqueles produtos únicos, assim como sua música, seja através de texturas inusitadas ou de capas que abriam em várias partes e de maneiras poucos usuais. Marcus Keef é responsável pela fotografia da capa do primeiro disco do Black Sabbath e Roger Dean é famosíssimo por estampar capas de bandas como o Yes, Asia, Osibisa, etc.
Outra característica que poderia passar batida na trajetória da Vertigo, mas retrata bem o período de início de suas atividades, foi a preferência primária por lançamentos de álbuns e não de compactos, como ainda era prática corrente em fins dos anos 60. A partir de 67, de modo geral, os álbuns e seus conceitos passaram a ser preferidos por aquela audiência já mais amadurecida e sedenta por novas experiências musicais. O seu primeiro lançamento em novembro de 1969, o álbum Valentyne Suite da banda Colosseum, foi acompanhado em seguida do lançamento dos primeiros álbuns de Juicy Lucy, Manfred Mann Chapter Three, Rod Stewart, Cressida e Black Sabbath. Somente em fevereiro de 1970, a Vertigo lançaria o primeiro compacto, também do Juicy Lucy, com as músicas “Who do you Love” e “Walking Down the Highway”.
Como curiosidade, na Inglaterra, a maioria dos compactos lançado pela Vertigo não continha capa, apenas uma embalagem padrão com o famoso logo “swirl”. Outra curiosidade era que seus primeiros lançamentos continham as informações sobre o disco em um dos lados do disco, ostentando no outro lado, a íntegra do designo selo “swirl”. O disco Valentyne Suite é uma síntese quase que ideal do perfil de disco que receberia a estampa da Vertigo – sons de bandas ousadas e que portassem a “novidade” sonora dentro do rock, com trabalhos ecléticos e sérios. O segundo disco da banda, capitaneada pelo renomado baterista Jon Hiseman, foi um trabalho que mesclou com muita maestria, jazz, rock, blues, pop e música clássica, principalmente na faixa título, uma das primeiras suítes da história do rock progressivo. Também contou com outros músicos tarimbados no cenário da época, como o tecladista Dave Greenslade (futuro fundador da banda progressiva Greenslade), o guitarrista Clem Clemson (Bakerloo, Humble Pie) e o saxofonista Dick Heckstall Smith, que trabalhou com Jack Bruce.
Logo com seu segundo lançamento, o disco homônimo do Juicy Lucy, a Vertigo já obteve um sucesso considerável com a versão de ‘Who do you Love” de Bo Didley, que atingiu o top 20 na Inglaterra. Porém, em seu período mais proeminente de atuação (entre 1969 e 1973) dos 90 álbuns que a Vertigo lançou na Inglaterra, a maioria naufragou em termos comerciais, apesar de algum sucesso de crítica. Alguns integram solenemente o rol das obscuridades do rock dos anos 70 – Fairfield Parlour, Dr. Strangely Strange, Clear Blue Sky, Still Life, Catapilla, Jade Warrior, etc. A Vertigo bem que experimentou algumas estratégias visando promover seus artistas, como coletâneas e concertos coletivos, mas nenhuma iniciativa conseguiu o efeito desejado.
A Harvest atingiu o sucesso com o Deep Purple e o Pink Floyd; a Deram, com o Moody Blues, o Procol Harum e o Ten Years After; a Charisma, com o Genesis e o Van der Graaf Generator; a Atlantic, nos EUA, tinha em seu cast o sucesso estrondoso do Led Zeppelin, do Yes e do trio Crosby, Stills and Nash; a Chrysalis lançava o Jethro Tull e a Island, o King Crimson. A Vertigo obteve sucesso com outras três potências do rock naquele início dos anos 70 – o Black Sabbath, o Uriah Heep e o Gentle Giant. Rod Stewart lançou apenas seus dois primeiros álbuns pela Vertigo, e sua ascensão ao estrelato aconteceu com os discos que foram lançados pela Mercury.
A quantidade de lançamentos da Vertigo em comparação com seus principais concorrentes é bastante superior, assim como seu período de atividade, que estende-se até hoje, ainda que compreendendo períodos de hiato ou focado apenas em relançamentos. Outros grupos de enorme sucesso receberam a estampa da Vertigo, como o Dire Straits, Def Leppard, Bon Jovi, Metallica e Rush. A Phillips havia adquirido a estampa norte-americana Mercury em 1961 e em 72, fundiu Mercury e Vertigo dentro do conglomerado da Polygram. Os artistas citados tiveram seus lançamentos pela Mercury, mas em alguns países, lançados pela Vertigo.
Os colecionadores costumam dividir os lançamentos da Vertigo mais ou menos através deste acontecimento – antes e depois de ser integrada ao grupo da Polygram. Até 1973, a Vertigo ostentava seus lançamentos com o selo “swirl”. Depois disso, o selo a ser progressivamente adotado representava uma nave espacial desenhada por Roger Dean, em seus traços característicos.
Na metade dos anos 70, a Vertigo obteve sucesso com Thin Lizzy, Nazareth, Status Quo, Kraftwerk, Vangelis, além de Black Sabbath e Gentle Giant, que continuaram na estampa, durante o auge de seus melhores lançamentos. E um sem número de grupos venerados pelos fãs de rock setentista levam a marca da Vertigo – Agitation Free, Aphrodite’s Child, Buffalo, Lucifer’s Friend, Aunt Mary, Beggar’s Opera, Nucleus, Patto, Warhorse, Atlantis, etc.
A falta de sucesso de muito de seus contratados no início de suas atividades, hoje movimenta um mercado de colecionismo muito forte, já que o destino da maioria deles foi tornar-se raridade no mundo dos discos. Somado a isso, os atrativos do conteúdo musical e gráfico dos lançamentos do selo causam feitiches generalizados nos colecionadores.
O Vertigo foi uma verdadeira mina de ouro para quem apreciava um som mais underground e artes de capa elaboradas! Meu primeiro contato com o Vertigo foi por meio de discos do Black Sabbath que traziam aquele selo com os discos voadores, muito tempo depois é que fui ver um selo original com o swirl. Acho legal que a Repertoire Records alemã relançou muitos discos em CD com arte de capa original, dando uma chance de ver o quanto eram elaboradas. Parabéns por recuperar a Vertigo!
Quero ver se vão falar sobre o selo da Epic Records aqui no site, quem sabe o meu grande ídolo finalmente não apareça por aqui sendo representado por este selo…
Esse selo é maravilhoso. E o livro, também, é muito bom. Só tem discaços. Aliás, só havia excelentes álbuns em vinil de rock setentista por essas gravadoras: Vertigo, Atlantic Records, Brain, Virgin, A&M, Island, Manticore Records, Purple Records, Swan Songs, Charisma Famous Label, Imediate Records, Som Livre, Continental, Rozemblit, EMI nacional, Odeon nacional.