Maravilhas do Mundo Prog: Esperanto – Eleanor Rigby [1975]
Por Mairon Machado
Acredito que todos que acompanham o blog sabem que não sou um grande fã de Beatles. Apesar de ter quase a coleção completa dos álbuns oficiais em vinil, de reconhecer a importância do grupo para o mundo da música, e claro, da capacidade de criação de cada um dos Fab Four (principalmente McCartney e Harrison), vários são os aspectos que me levam a preferir outras bandas em detrimento do quarteto de Liverpool, como se isso importasse muito.
Mas para mim isso importa, fazer o quê. Um dos aspectos significativos é o fato de que quase tudo o que eu ouço que tenha sido composto pelos Beatles, e que foi regravado depois, ficou muito melhor (óbvio, na minha mente) na versão cover. É assim com “I Am the Walrus” (Frank Zappa), “Across the Universe” (David Bowie), “Help” (Deep Purple), “Every Little Thing” (Yes) e tantas outras. Contudo, sem sombra de dúvidas, a que mais me chama a atenção é a de uma banda quase desconhecida no mundo da música, e que é uma das maiores maravilhas entre as composições beatleriana, “Eleanor Rigby”. O grupo que criou essa maravilha, um mero proto-prog belga de nome Esperanto.
Esperanto é a língua inventada em 1887 por Zamenhof, que combinava elementos de várias línguas com a intenção de se tornar um idioma universal. O que o grupo de mesmo nome, nascido no início dos anos 70, tem em comum, é a união de membros de diferentes países a fim de construir algo que é comum em todas as línguas: música e sentimento.
Compacto do Wallace Collection |
O grupo nasceu em 1971, quando o violinista Raymond Vincent, nascido na Bélgica, decidiu largar seu projeto com o grupo Wallace Collection, a fim de enveredar-se por uma carreira musical de aventuras e experimentações. Raymond então passou a tocar com Daniel Lademacher e Roger Wollaert, mas o trio durou poucas semanas. Após isso, acompanhou o músico Bruno Libert ao lado de Dirk Bogaert. Libert estudava musicologia enquanto tocava piano nos teatros de Bruxelas, interpretando musicais da Broadway. Raymond aproveitou essa experiência para divulgar suas ideias e objetivos em relação ao seu futuro.
Álbum solo de Raymond Vincent |
A primeira participação efetiva de Raymond foi a gravação do álbum Metronomics, uma espécie de trilha sonora para propagandas e campanhas de prevenção. Insatisfeito, contou com o ombro de Libert, que aceitou encarar o projeto musical idealizado por Raymond, e saíram então atrás de novos músicos.
Na cidade de Mons, no centro-oeste da Bélgica, acabaram descobrindo dois irmãos de natureza italiana: Gino Malisan e Tony Malisan. O primeiro tocava baixo, enquanto o segundo era um exímio baterista. Começaram então a ensaiar em um camarim de um pequeno café do centro de Bruxelas, tendo ainda o guitarrista Edouard Meinbach, escrevendo diversas canções que culminariam na primeira demo do quinteto.
As cordas do Esperanto: Raymond Vincent, Godfrey Salmon e Tony Harris |
Esta demo chegou até a Inglaterra, onde o produtor David Mackay, que havia trabalhado com Raymond na época do Wallace Collection, concordou em divulgar o nome da banda para gravadoras. Porém, Raymond achava (com razão) que o grupo precisava de mais gente, que apenas como quarteto não iriam longe. A tarefa de David seria angariar os músicos necessários para completar a banda, que ainda não havia sido batizada. O primeiro a entrar no projeto foi o vocalista Glenn Shorrock. Nascido na Austrália, Shorrock trabalhou com o grupo Twilights, além de ter lançado discos solos sem sucesso. Shorrock morava em Londres há algum tempo, fato que propiciou o conhecimento de muitos artistas e pessoas anônimas, mas de extremo potencial.
Trio feminino de vozes do Esperanto: Janice Slater, Joy Yates e Bridget Lokelani Dudoit |
Entre essas pessoas, estava o trio de vocalistas do grupo de Cliff Richard. Conhecidas como Bones, Joy Yates (Nova Zelânia), Janice Slater (Austrália) e Bridget Dudoit (Hawai), elas facilmente concordaram em entrar para o projeto, que já contava então com oito pessoas. Mas ainda faltava mais gente. Eis que surgiu Brian Holloway, outro australiano, para empunhar as seis cordas. Holloway era um dos responsáveis pelas gravações da London Studios. Quando soube do que estava na cabeça de Raymond, sugeriu uma audição com músicos que trabalhavam para ele na London. Entraram assim Godfrey Salmon (violino), Tony Harris (viola) e Timothy Kraemer (violoncelo), nascendo então a primeira formação do que foi batizado como Esperanto.
A boa estreia do Esperanto |
A ideia de exploração musical de Raymond era simples: uma orquestra que tocasse rock, apenas isso. E foi isso que o Esperanto fez. Durante algumas semanas, os 12 músicos trancaram-se em uma fazenda no condado de Cornwall (Inglaterra), ensaiando e compondo muito. De lá, foram para Houyet, na Bélgica, passando mais algumas semanas escondidos em outra fazenda. Voltaram para Londres e registraram o excelente primeiro álbum, Rock Orchestra, lançado em 1973 através da A&M Records. Desse álbum, canções como “Statue of Liberty”, “Never Again” e a fantástica “Gypsy” exaltavam o trabalho das cordas e vocal.
O Esperanto excursionou pela Inglaterra, abrindo para o grupo Sha Na Na, fato que causou problemas para a banda, já que o público do Sha Na Na não estava preparado para ouvir as experimentações de Raymond e cia., sendo que o jornal Melody Maker acabou batizando o grupo de pseudo-hippies. Mesmo assim, seguiram na estrada, dessa vez ao lado do Strawbs, tocando principalmente na Itália, onde uma série de gravações e apresentações na TV foram feitas em Roma, Napoli e Turim. Porém, apesar dos shows, o grupo não tinha conhecimento de como Rock Orchestra saía-se nas vendas.
O sombrio e excelente Danse Macabre |
De volta para a Inglaterra, os 12 músicos reuniram-se no castelo de Welsh, no País de Gales. Ali, encontraram uma atmosfera sombria cercada de histórias antigas sobre batalhas e caçadores que morreram sob os pés dos muros do castelo, e que pode ser conferida no excelente segundo álbum da banda, Danse Macabre, lançado em 1974, com um pesado trabalho progressivo que pode ser conferido em pérolas como “The Journey”, “The Duel”, The Castle” e “The Decision”.
Neste segundo álbum, o Esperanto não contava mais com a participação de Shorrock, que decidiu voltar para a Austrália, mas conta com as letras de Peter Sinfield (Supertramp, King Crimson, Emerson Lake & Palmer, Premiata Forneria Marconi) e com a voz de Keith Christmas, que era um cantor solo de relativo sucesso no mundo folk. A entrada de Sinfield foi responsável pela virada na direção musical do trabalho da banda.
Formação pós-Danse Macabre. Vincent, Salmon, Gino e Tony Malisan (acima); Keith Christman, Libert, Kraemer e Harris (abaixo) |
O grupo partiu para excursionar pelo Reino Unido ao lado do Magma. Ao mesmo tempo que causavam impacto nos shows, não sabiam quanto estavam vendendo, levando a mais uma mudança na formação do grupo, com a saída do trio feminino, de Tony Harris e também de Christmas, obviamente pelo choque musical do seu estilo folk com o progressivo do Esperanto.
Para seu lugar, Roger Meakin e Kim Moore foram os escolhidos. Desta vez, foram para Paris, onde instalaram-se no famoso Chateau de Herouville (que já havia recebido Elton John e Jethro Tull) para gravar o terceiro álbum. Produzido por Robin Cable (Queen, Genesis, Van der Graaf Generator), Last Tango foi lançado em 1975, e é a peça definitiva para fechar a trilogia de álbuns do Esperanto com chave de ouro, alem de ser nossa maravilha, que abre esse espetacular álbum.
Roger Meakin, Kraemer e Libert |
“Eleanor Rigby” começa com barulhos de teclados apresentando a batalha entre baixo, violoncelo e bateria, para que então os dois violinos executem o pesadíssimo tema central, com complicadas notas intercaladas por escalas de baixo e ótimas viradas da bateria. Esta sessão instrumental repete-se, pesadíssima, deixando apenas baixo e bateria fazendo uma marcação sombria, com as quebradas batidas na caixa e nos pratos cercadas de tensão e curiosidade com o que vai surgir dali.
Violinos e violoncelo saltam das caixas de som, fazendo um segundo tema, que é repetido pelos teclados, e a introdução cresce, absurdamente hipnotizante, para que finalmente os acordes do violino apresentem o famoso acorde “Em” da canção original, trazendo a voz de Roger, acompanhada por baixo, bateria e cordas. A linda voz de Kim surge na ponte da primeira estrofe que leva para o emotivo e grudento refrão, cantado por ambas, tendo ao fundo uma guerra descomunal com sessões marcadas e trabalhadas ao extremo entre baixo, teclado e bateria, além da espetacular participação das cordas.
Kim Moore e Raymond Vincent |
O peso das cordas e do baixo é ensurdecedor, voltando aos barulhos de teclados do início da canção, com o tema central feito pelos violinos. Entender e reproduzir a linha de baixo é uma missão para semanas de estudo, bem como as intrincadas viradas de Tony. O espetacular arranjo de cordas nos leva para a segunda parte da letra, com Kim e Roger cantando juntos. Após o refrão, apenas com violino e violoncelo ao fundo, os irmãos Malisan ficam sozinhos novamente, começando um belíssimo tema feito por Raymond. Kim começa a gemer em cima da melodia do violino de Raymond, com Godffrey e Timothy repetindo o tema de Raymond, trazendo os teclados para encerrar essa maravilha com o esplendor do refrão e uma sensacional descida de escala em “C” feita ao mesmo tempo por violino, violoncelo e baixo.
Esperanto em pausa na gravação de Last Tango: Raymond Vincent, namorada de Vincent, Gino Malisan, Roger Meakin, esposa de Meakin, Timothy Kraemer, Kim Moore |
Ainda de Last Tango, eu poderia ter apresentado qualquer canção como uma maravilha, desde a linda “Still Life”, a dançante “Painted Lady”, a balada “Obsession”, os delirantes 12 minutos de “The Nape” ou o tango da faixa-título, mas “Eleanor Rigby” é o mais perfeito sinônimo para o nome dessa sessão.
Poster da turnê com o Sha Na Na (acima) e Magma (abaixo) |
Depois de Last Tango, o grupo excursionou mais uma vez com sucesso por Reino Unido e Europa, com destaque para apresentações em festivais famosos, como o de Reading, Newcastle, Paradiso (Holanda) e Montreux (Suíça), esses últimos ao lado do Premiata Forneria Marconi, mas infelizmente, a A&M não renovou o contrato com o grupo, devido às baixas vendas dos álbuns, que hoje são raridades disputadas no tapa. Mas cada dedada no olho vale a pena, porque os minutos registrados dos sulcos destes três trabalhos são valiosos, tendo em “Eleanor Rigby” uma amostra perfeita do que era a composição e o trabalho dos músicos do Esperanto.
Mesmo tendo reduzido sua formação, o Esperanto não resistiu ao peso do dinheiro, mas tem seu trabalho reconhecido através de blogs como o Consultoria do Rock, que se prestam a homenagear essa que, sem sombra de dúvidas, é a principal banda do rock progressivo belga, e uma das melhores a fundir tantos estilos e nacionalidades no mesmo palco.
Essa versão superou minha expectativa, fugindo totalmente do convencional e ousando sem soar auto-indulgente. Se o disco todo seguir semelhante nível de qualidade, sem dúvida merece uma escutada atenciosa.
Diogo, sou suspeito, mas afirmo que o resto do disco ou é do mesmo nível ou está acima. Um dos melhores trabalhos da europa qe eu já ouvi!
QUEM GOSTA DE FRANK ZAPPA,SÓ PODE SER UM MALA QUE NEM O CARA.ZAPPA É UM LIXO
Pelo jeito vc não entende muito de música!!!:(
Concordo contigo! Detesto FZ
Excelente resenha!!!