Discografias Comentadas: Deep Purple – Parte I [1968 – 1976]

Discografias Comentadas: Deep Purple – Parte I [1968 – 1976]

Por Mairon Machado (MMM) e Micael Machado (Mica)
Um dos maiores nomes do hard-heavy da década de 70, o Deep Purple forma a segunda perna da chamada Santíssima Trindade do Rock, ao lado do Led Zeppelin e do Black Sabbath. Com mais de 40 anos de carreira, é o único dos três que mantem-se na ativa, com um pequeno período de retiro entre 1977 e 1983. 
Com 18 álbuns de estúdio e muitos álbuns ao vivo, a carreira dos ingleses é repleta de momentos marcantes, e outros nem tão saudosos assim, e será narrada em um ambicioso projeto pelo Consultoria do Rock, aqui no Discografias Comentadas, através dos irmãos Mairon e Micael Machado, em duas partes distintas. Os irmãos sempre divergiram sobre as distintas fases do grupo, e assim, na primeira parte, serão tratados o primeiro período do Deep Purple, abrangendo as Marks I, III e IV pelo Mairon (que também irá comentar sobre o álbum Concerto for Group & Orchestra, gravado pela Mark II) e a Mark II pelo Micael. Ou seja, será tratado o período entre 1968 e 1976. A segunda parte, no domingo que vêm, tratará desde a volta do Deep Purple em 1984 até os dias de hoje, desta vez somente com o Micael fazendo a sua visão dos álbuns, já que o Mairon desconsidera a existência desse período na discografia do grupo (coisa de bolha).
A influência do Deep Purple é fundamental para a música. Pelo grupo, passaram músicos de extremo talento e relevância, e que, de alguma forma, auxiliaram na revelação (ou criação) de nomes como Trapeze, Rainbow, Whitesnake, Captain Beyond, Warhorse, Dixie Dregs, Moxy, Episode Six, James Gang, Zephyr, entre outros. Tudo isso graças às diversas formações que o grupo teve, cada qual recebendo como nome de batismo o Mark citado anteriormente.
Mark I: Ritchie Blackmore, Jon Lord, Ian Paice, Rod Evans e Nick Simper
E claro, o começo só pode ser com a Mark I, a qual foi formada por Ritchie Blackmore (guitarras), Jon Lord (teclados), Ian Paice (bateria), Nick Simper (baixo, vocais) e Rod Evans (vocais).
Shades of Deep Purple [1968] (MMM)

A estreia da Mark I é uma boa incursão pela psicodelia londrina do final dos anos 60. Contando com quatro covers e três canções próprias, o disco é uma amostra do que vivia a música naqueles anos, possuindo rocks dançantes (“Hush”, “Love Help Me” e “One More Rainy Day”), e momentos de muita lisergia (“And the Adress“, “Hey Joe”, Help”). Os principais destaques ficam para: o maior clássico da Mark I, “Hush” (Billie Joy Royal), com um groove extremamente dançante, e que levou o Purple para o Top 10 da Billboard, se tornando um fenômeno em vendas nos EUA; a sequência “Prelude: Happiness”-“I’m So Glad“, a qual traz citações ao primeiro e segundo movimentos de “Scheherazade”, de Rimsky-Korsakov, com um belíssimo duelo entre órgão e guitarra, estourando na sensacional versão para “I’m So Glad” (Skip James), em uma versão também diferente da feita pelo Cream, com Blackmore carregando sua guitarra de efeitos; e a fantástica recriação para “Help” (The Beatles), que em nada lembra a canção dos Fab Four, com o Purple passando a agonia de quem realmente está precisando de ajuda. Outro grande momento é a versão de “Hey Joe” (Billy Roberts), imortalizada por Jimi Hendrix, e que com o Purple tornou-se um achado psicodélico, com muitos solos de guitarra e órgão. Apesar do sucesso de “Hush”, é nos outros covers que está a verdadeira representividade do que era a Mark I, como fica evidente no segundo álbum do grupo.

Book of Taliesyn [1968] (MMM)

Depois de abrir para o Cream, o Deep Purple tornava-se o centro das atenções. Shows arrebatadores, participações em programas de TV de extremo sucesso, e claro, a versão de “Hush” subindo sem parar na Billboard, levaram a pequena gravadora americana Tetragramatton (e a inglesa Harvest) a lançar o segundo LP do grupo. Book of Taliesyn é a sequência perfeita para Shades of Deep Purple, com o grupo mergulhando cada vez mais na psicodelia, e, principalmente, aproximando-se do recém nascido rock progressivo, destacando o talento do jovem músico Jon Lord. Dessa vez, três covers e quatro canções próprias preenchem o LP. Das canções próprias, “Listen, Learn, Read On” é uma estranha viagem lisérgica, assim como a nervosa “Shield“, a qual lembra em muitos momentos o grupo Iron Butterfly. “Anthem” é uma linda canção, destacando os vocais de Evans e o belíssimo arranjo para cordas feito por Lord, e a fantástica instrumental “Wring That Neck” (batizada de “Hard Road” nos Estados Unidos) tornou-se a canção mais famosa do LP, sendo tocada pelo grupo nos palcos durante muito tempo. Nas covers, “Kentucky Woman” (Neil Diamond) resgata os embalos sessentistas das canções de Shades of Deep Purple. Já as outras duas são viajantes delírios musicais. Uma delas é mais uma modificação em uma canção do Beatles, dessa vez “We Can Work It Out“, contando com um dinâmico solo de Lord e com uma linda introdução batizada de “Exposition”, a qual é uma releitura para a “Sétima Sinfonia” de Beethoven e “Overture”, de “Romeo & Juliet” (Tchaikovsky). A outra cover é “River Deep, Mountain High“, composta por Phil Spector e famosa com a dupla Ike & Tina Turner (N. R. apesar de Ike não ter participado das gravações por exigência de Spector, e recebido por isso a bagatela de 20 mil doletas), em um rockzão sessentista com mais uma bela introdução, agora com Lord recriando a peça “Also Sprach Zarathustra” (Strauss). A incursão pela música clássica seria fundamental para o andamento que o Purple tomaria a partir de então, e que modificaria o som do grupo definitivamente.

Deep Purple [1969] (MMM)

O melhor LP da Mark I foi lançado em um momento conturbado da carreira do Purple. Apesar do estrondoso sucesso nos Estados Unidos, o grupo não decolava em sua Terra natal. Assim como o Led Zeppelin, os britânicos não conseguiam aceitar a sonoridade mezzo psicodélica, mezzo bluesy do quinteto. Além disso, a gravadora Tetragammaton estava à beira da falência, dificultando o lançamento de mais um álbum nos Estados Unidos. Quase a fórceps, Deep Purple consolidou o grupo que o batizou como compositores, trazendo apenas uma cover, a bela “Laleña” (Donovan), com uma triste interpretação de Evans e com um emocionante solo de Lord. As demais canções são deliciosas viagens pelo progressivo, a começar pela percussiva “Chasing Shadows“, uma locomotiva sonora conduzida pela bateria de Paice, seguida pela lisérgica “Blind”, que deve ter saído de algum boteco de sexta categoria de uma Califórnia ensolarada, tamanha a dose de lisergia desta canção. A tradição de manter duas canções em apenas uma faixa, encerrando o lado A, é mantida na sequência “Fault Line”-“The Painter“, uma obra-prima, onde a primeira destaca o baixo de Simper, enquanto a segunda é uma embalada faixa bluesy, destacando os solos de Lord e Blackmore em longos improvisos. Outro blues embalado é “Why didn’t Rosemary?”, onde a combinação dos vocais com a guitarra relembra o Yardbirds, e novamente, os solos de Blackmore e Lord ganham espaço. “The Bird has Flown” retorna a psicodelia, e o álbum encerra-se com a melhor composição da Mark I, a longa suíte “April“, com mais de 12 minutos de virtuosismo, experimentação e passagens emocionantes de orquestra,  além de uma performance vocal fantástica de Evans. A Mark I despedia-se em alto estilo, travando uma batalha entre seguir o rock’n’roll ou entrar no progressivo a partir da música clássica, o que só seria resolvido no primeiro lançamento da Mark II.
Mark II: Ian Gillan, Roger Glover, Jon Lord, Ritchie Blackmore e Ian Paice

 Concerto for Group and Orchestra [1969] (MMM)

Nessa seção, não costumamos trazer álbuns ao vivo. Porém, Concerto for Group and Orchestra é um diferencial, e necessita ser retratado por nós. A estreia da Mark II foi ao vivo, em um show produzido, composto e idealizado por Jon Lord. Ao lado da Royal Philarmonic Orchestra, conduzida por Michael Arnold, Jon Lord, ao mesmo tempo que realizava seu sonho de ser o líder de um grupo, acabava com o Deep Purple que os Estados Unidos haviam admirado, criando um monstro que se tornou uma das partes da Santíssima Trindade do Rock. Justamente no palco do Royal Albert Hall, Lord colocou para fora toda a sua capacidade de composição, deixando para os demais membros do Deep Purple a simples tarefa de coadjuvantes. Os iniciantes Ian Gillan (vocais) e Roger Glover (baixo) adaptaram-se de forma diferente ao projeto. Enquanto Glover delineava por caminhos singelos, apenas seguindo o projeto idealizado por Lord, Gillan parece intimidado com as dimensões de encarar uma grande plateia em um local tão importante. O resultado final porém é no mínimo espetacular. A suíte que dá nome ao álbum foi totalmente composta por Lord, e é dividida em três movimentos. O primeiro, “Moderato-Allegro“, conta com uma longa e envolvente introdução orquestral, privilegiando a orquestra e os solos de Lord e Blackmore, sendo que esse último parece meio deslocado ao solar diante de uma plateia embasbacada com a sonoridade vinda do palco, e principalmente, por ter que seguir uma partitura. O segundo movimento, “Andante”, é onde os vocais de Gillan surgem para o mundo Purpleano pela primeira vez. Somente isso já tornaria “Andante” de fundamental relevância para o mundo da música, mas além disso, as belas passagens da orquestra, bem como a musicalidade envolta por trás do órgão de Lord, fazem desse momento um dos mais belos na carreira do grupo. O terceiro movimento, “Vivace-Presto“, privilegia a parte percussiva, com um fantástico solo de Paice. Concerto for Group and Orchestra funcionou muito bem, e foi repetido em 1998 para os fãs que não puderam ver aquela famosa apresentação, a última relacionada ao Mark I, e a última contando com a liderança de Lord. Outro projeto com orquestra, “Gemini Suite” foi gravado dois anos depois pelo Purple, mas a ideia do grupo já não era a mesma, sendo o mesmo projeto arquivado durante anos, lançado inicialmente apenas na carreira solo de Lord, e posteriormente pela série de lançamentos da Purple Records, na versão original de sua gravação, sendo que de forma alguma supera a magistral obra contida nos sulcos de Concerto for Group and Orchestra, também disponível hoje em dia em um fundamental DVD.

In Rock [1970] (Mica)
Depois de realizar o seu sonho orquestral com o “Concerto”, Jon Lord cedeu a liderança musical do grupo para Blackmore, concretizando a mudança iniciada com a troca de vocalista e baixista no ano anterior. E o novo “dono” da banda já chega arregaçando com tudo na introdução da faixa de abertura, a hoje clássica “Speed King“. Lord ainda tem um curto arroubo de músico clássico após o “estupro da guitarra” promovido por Ritchie, mas logo a Mark II se apresenta ao mundo com o poderoso riff do guitarrista e a potência vocal de Gillan, de timbre totalmente diferente de seu antecessor e, para mim, muito melhor. Com a gravadora Harvest finalmente dando a devida atenção ao grupo, In Rock finalmente trouxe o reconhecimento e o sucesso ao Deep Purple em sua terra natal, embora tenha feito com que perdesse boa parte do prestígio adquirido nos Estados Unidos (e como os americanos não gostaram desse disco é algo que eu nunca entenderei), e se transformou em um daqueles álbuns que qualquer fã de rock tem a obrigação de conhecer, sendo que, para este que vos escreve, é o melhor disco da longa carreira do Purple. Se “Child In Time” virou um dos hinos do rock (ao lado da já citada “Speed King”, e muito merecidamente, diga-se de passagem), outra faixa do disco é a minha favorita dentre toda a discografia do quinteto, a excepcional “Flight Of The Rat“, onde Blackmore, Lord e Paice têm seus momentos solo, e que, curiosamente, nunca foi executada ao vivo. Outra faixa sensacional é “Living Wreck”, com a marcante introdução por parte de Paice e com Lord (o melhor tecladista da história do rock em minha opinião) arrebentando em seu Hammond, para Ritchie criar um riff simples mas cativante. A longa “Hard Lovin’ Man” também se destaca, sendo o álbum completado por duas faixas que soam menores se comparadas às outras: a funky “Into The Fire” e “Bloodsucker”, que inclusive seria regravada anos depois pelo próprio Purple. Sete músicas em pouco mais de quarenta minutos, as quais serviram para marcar o nome do Deep Purple para sempre dentre os mais importantes do hard rock mundial. A edição de 25 anos lançada em 1995 trouxe nada menos que treze faixas bônus, desde brincadeiras de estúdio, uma versão diferente para “Speed King”, faixas remixadas por Roger Glover e outras que estavam inéditas ou haviam saído apenas em coletâneas, além de finalmente agregar ao álbum a clássica “Black Night”, que na época havia sido lançada apenas como single.
Fireball [1971] (Mica)
Este disco ficou marcado por ter sido lançado entre dois álbuns que atingiram o status de clássicos, e apenas por isso acaba não recebendo uma maior atenção do fã comum de hard rock, pois não deve nada aos seus parceiros de discografia. Já na abertura com a faixa título, se percebe que o Purple não iria deixar a peteca cair após o sucesso de In Rock, e “No One Came” sedimentava o estilo iniciado no disco anterior. Mas o álbum não é uma mera cópia de seu antecessor, vide a psicodelia de “The Mule” (que foi completamente rearranjada para as apresentações ao vivo do grupo, incluindo um solo de bateria de Paice que poderia durar o quanto ele quisesse) e “Fools“, uma das melhores composições do disco. “No No No” novamente mostrava um certo “balanço” na sonoridade do Purple (que se tornaria evidente na Mark III, mas já dava as caras nesta formação), e “Anyone’s Daughter” tinha algo de country em seu arranjo, o que ficaria mais evidente anos depois na versão apresentada na tour de Battle Rages On. Na Inglaterra, Fireball se completa com a excelente “Demon’s Eye“, enquanto nos EUA esta faixa foi substituída pela hoje clássica “Strange Kind Of Woman”, lançada apenas em single no Reino Unido. No Brasil, o disco saiu com a lista de músicas da versão inglesa na capa, mas com “Strange Kind of Woman” no lugar de “Demon’s Eye” no vinil, o que até hoje gera alguma confusão entre os iniciantes no mundo maravilhoso do Purple, e faz com que o vinil original brasileiro valha uma boa grana lá fora. Novamente sete faixas foram só o necessário para manter o nome do quinteto em alta. A versão de 25 anos lançada em 1996 trouxe nove faixas bônus, colocando pela primeira vez “Strange Kind of Woman” e “Demon’s Eye” em uma mesma edição de Fireball, além de faixas inéditas, remixes e outras que já haviam saído em coletâneas (com destaque para a maravilhosa “I’m Alone”). O Purple continuava sua marcha para o topo do rock mundial. 
Machine Head [1972] (Mica)
Gravado na Suíça, este é para muitos o álbum referência quando se trata de Mark II no Deep Purple, não apenas por trazer o hino “Smoke On The Water“, mas pela qualidade de suas companheiras de vinil. A ideia inicial do grupo era gravar o disco no Cassino de Montreaux, mas um incêndio provocado por um sinalizador durante um show de Frank Zappa inviabilizou o local, sendo que o grupo foi obrigado a gravá-lo nos corredores do Grand Hotel, na mesma cidade. Esta é a história contada no maior sucesso da banda, a citada “Smoke On The Water”, que com seu arranjo e seu clássico riff se tornou uma das músicas mais conhecidas da história, sendo obrigatória nos shows do grupo dali para frente em todas as formações do quinteto, e que, curiosamente, só foi incluída no set list já ao final da tour de promoção do disco. Mas, como dito, Machine Head não vive apenas de seu maior hino. A Abertura com a clássica “Highway Star” já mostra que o grupo não estava para brincadeiras. Segundo consta, esta música foi escrita durante uma entrevista em uma limousine que levava a banda para um show, quando um jornalista perguntou como eles compunham suas músicas. Ritchie disse que ele apenas compunha um riff e a banda o seguia, “como,  por exemplo, algo assim”, e saiu tocando o início da canção. Gillan improvisou uma letra, o grupo trabalhou no arranjo, e a canção foi apresentada pela primeira vez já naquela noite mesmo. Simples assim! Se estas são as duas faixas de maior sucesso, a minha favorita é “Pictures Of Home“, que por anos foi deixada de lado pela banda na escolha de seus set lists, até ser resgatada por Steve Morse quando este juntou-se ao Purple, sendo presença constante nos palcos desde então. A “balançada” “Never Before” é uma música mais leve perto das outras, assim como “Maybe I’m A Leo” traz um lado blues à música do Purple que não era muito conhecido até então. “Lazy” (com sua introdução que mostra a excelência do lado clássico de Jon Lord) e a pesada “Space Truckin” fecham o disco, outro clássico da música mundial, obrigatório na prateleira de qualquer um que se diga fã de rock pesado, e que, novamente, contava com apenas sete músicas. Este foi o único álbum da banda a figurar na famosa série de documentários Classic Albuns, em um DVD hoje facilmente encontrável por aí, e que deveria ser assistido não só por quem gosta do grupo, mas por qualquer um que goste deste estilo de música. A edição de 25 anos de 1997 trouxe as faixas originais remixadas por Roger Glover, além de incluir no track list a linda balada “When A Blind Man Cries”, que havia saído como lado B de “Never Before” na Inglaterra, e que também seria resgatada por Morse, sendo presença constante nas turnês com ele na guitarra. Cabe citar também que foi na tour de Machine Head que o Deep Purple gravou, durante três noites de agosto de 1972, o álbum Made In Japan, seríssimo candidato a “melhor disco ao vivo da história” (sendo que, para mim, só fica atrás da versão dupla de At Fillmore East do Allman Brothers, o Fillmore Concerts) e que seria, anos depois, “coverizado”, na íntegra, pelo Dream Theater em apresentações naquele país. Um concerto do início desta turnê, filmado em preto e branco pela televisão dinamarquesa, seria anos depois lançado em VHS e DVD, dentre outros nomes como “Live In Denmark 72”.
Who Do We Think We Are [1973] (Mica)
Os excessos do mundo do rock estavam minando a banda por dentro, e a convivência entre seus membros se tornava cada vez mais difícil, especialmente entre Blackmore e Gillan. Isso se refletiu neste que é o último álbum gravado pela Mark II nos anos 70. Iniciando com a clássica “Woman From Tokyo“, o disco segue com canções que, se não servem para fracas, também não chegam ao nível do que a banda fez nos três discos anteriores, como a funky “Mary Long”, “Super Trouper” (que tem um riff parecido com o de “Bloodsucker”, do In Rock, além de algo da psicodelia de “Fools”, do Fireball) e a agitada “Smooth Dancer”. A melhor faixa do disco (embora não muito conhecida), “Rat Bat Blue“, tem um dos melhores solos da carreira de Jon Lord. “Place In Line” mostra novamente algo de blues no som do Purple, e “Our Lady” é uma bela balada com arranjos vocais que lembram o Uriah Heep, fechando um disco (mais uma vez com sete faixas) ainda hoje incompreendido na carreira dos britânicos. A edição remasterizada lançada em 2000 trouxe cinco remixes, uma nova mixagem para “Painted Horse” (já lançada na coletânea Power House) e uma jam de estúdio chamada “First Day Jam”. Ainda antes do lançamento, Gillan pediu demissão do seu cargo de cantor, devido não só às suas desavenças com Blackmore, mas também ao exaustivo ritmo de estúdios-turnês-estúdios que a banda vinha empregando naqueles últimos três anos, permanecendo no grupo ainda por seis meses para cumprir a tour de promoção do disco. Blackmore se aproveitou da partida do vocalista e acabou conseguindo o afastamento de Roger Glover também, o que abriria o caminho para a formação da Mark III ainda em 1973.

Mark III: Jon Lord, Glenn Hughes, David Coverdale, Ian Paice e Ritchie Blackmore

Burn [1974] (MMM)

Eis que surge um novo Deep Purple. Da Mark I para a Mark II, o grupo saiu do progressivo para o hard rock, abandonando os Estados Unidos e conquistando a Europa. Da Mark II para a Mark III, o grupo consolidava-se nos dois lados do Atlântico, e também na Ásia e Oceania. A entrada do novato vendedor de camisas David Coverdale (vocais) e do experiente Glenn Hughes (baixo, vocais) gerou um novo grupo, onde a guerra de egos era travada tanto em estúdio quanto nos palcos, e, musicalmente, fez o Purple crescer bastante, já que cada um queria mostrar para o outro quem era o mais talentoso da banda. Assim, nascia a principal (na minha opinião) formação do Purple. Como dito na introdução, a divergência entre eu e o Micael é muito grande, e não tem quem me tire da cabeça que a Mark III é o auge da carreira do Purple, e que Burn, a estreia dessa formação, é apenas o início de algo que não tinha como dar certo na teoria, mas que funcionou muito bem na prática. Um álbum fantástico, que mesmo com o início elétrico, traz uma sonoridade muito diferente da Mark II. Poucos são os discos que abrem com uma paulada tão forte quanto “Burn“. Um dos principais riffs do rock mundial, seguido pelo potente vocal de Coverdale, com Hughes auxiliando em diferentes estrofes, e fantásticos solos de Lord e Blackmore, levados por uma bateria tinhosa de Paice, que levam o ouvinte rapidamente ao êxtase logo nos seis primeiros minutos do LP. O clima muda em “Might Just Take Your Life”, com outro riff inesquecível. Aqui, a alternância vocal entre Coverdale e Hughes dá um charme mais que divino ao som do Purple, e é esse um dos principais diferencias da Mark III para a Mark II. A pancadaria retorna em “Lay Down Stay Down”, muito parecida com “Burn”, e o lado A encerra-se com a dançante “Sail Away”, a qual ficou esquecida entre tantas pérolas, mas é uma ótima canção, que indica o futuro do Purple. O lado B inicia como o lado A, através de outro petardo, chamado “You Fool No One“, que destaca o talento de Paice e o riff matador criado por Blackmore, Hughes e Lord. O swing é retomado em “What’s Goin’ on Here”,  que parece ter saído das sessões do magistral álbum do Trapeze You Are the Music … We are Just the Band (1972). Depois, uma das baladas mais lindas da história do rock, “Mistreated“, que é também a melhor interpretação vocal da história de Coverdale. Por fim, a instrumental “A-200” mostra Lord brincando com um sintetizador, ao mesmo tempo que viaja em longas notas no moog. Depois de Burn, o grupo se apresentou no famoso California Jam de 1974, gerando polêmica principalmente pela performance de Blackmore, que cada vez mais se afastava do Deep Purple. O relançamento desse LP veio acompanhado de cinco faixas bônus, que apenas complementam o espetáculo sonoro deste que, se não é o melhor disco do grupo, está fortemente entre os três melhores.

Stormbringer [1975] (MMM)

Abrindo meus escudos, já me preparo para as pedras. Afinal, malhado por 90% dos fãs da Mark II, Stormbringer é candidato fortíssimo a melhor disco do Deep Purple. Por vezes, até considero este o melhor, mas são raras as vezes. Malemolência, swing e melodia, transbordam naturalmente pelos poros do vinil, e tentar achar uma canção ruim nesse disco é pura perda de tempo. Novamente, a primeira faixa é uma paulada sem precedentes na carreira dos britânicos, que é a faixa-título, com outro riff fantástico, e com Coverdale cantando ferozmente. O moog, apresentado em Burn, está em alta nessa canção, outro grande clássico purpleano. A sensual “Love Don’t Mean a Thing” é uma precursora do Whitesnake, e com uma swingada estrutura recheada de alternâncias vocais. “Holy Man” mostra que Coverdale e Hughes sabiam compor letras muito bonitas, e que fugiam das temáticas criadas pela Mark II. Curiosamente, essa canção é cantada apenas por Hughes,  e é uma linda balada, com um refrão digno de lágrimas. O lado A encerra com a gloriosa “Hold On”, misturando soul music, jazz e claro, rock’n’roll, e com Lord fazendo mais um grande solo para sua coleção. O lado B, assim como em Burn, abre com mais uma pedrada, a rápida “Lady Double Dealer”, a qual é cantada somente por Coverdale. Depois, o funkzão de “You Can’t Do It Right (With the One You Love)” contagia, contrastando com o forte hard de “High Ball Shooter”, a canção da Mark III mais parecida com a Mark II. Quer ouvir Coverdale e Hughes dividindo os vocais, ouça a linda “The Gypsy“, com seu longo tema instrumental e com um espetacular solo de encerramento de Blackmore. E se “Mistreated” é uma das baladas mais lindas da história do rock, “Soldier of Fortune” é uma das mais lindas baladas da história da música. Blackmore ao violão traz o riff principal, que assim como o de “Stairway to Heaven” (do Led Zeppelin), é um dos favoritos para os aprendizes do instrumento. Outra intepretação animal de Coverdale, que chora ao microfone e entrega-se a sua solidão, encerrando esse incrível e magistral álbum de forma no mínimo sublime. O relançamento de Stormbringer trouxe cinco bonus tracks, contendo remixagens para canções do álbum, que foi o último de Blackmore com o Purple nos anos 70, com o guitarrista pegando o boné e indo criar o Rainbow. A guerra de egos finalmente chegava ao fim.
Mark IV: Jon Lord, Glenn Hughes, David Coverdale, Tommy Bolin e Ian Paice
Come Taste the Band  [1976] (MMM)

Quem poderia substituir Blackmore, o fundador e líder do Purple? Essa difícil pergunta foi surpreendentemente respondida com um novato americano de apenas 23 anos chamado Tommy Bolin. Depois de tentar Jeff Beck e Dave Clempson, as seis cordas caíram nos braços do garoto, que, apesar de muito novo, vinha de uma vasta experiência, participando de grupos como Zephyr, Moxy, Alphonse Mouzon e Billy Cobham Band. A principal tarefa de Bolin havia sido substituir outro gigante da guitarra, Joe Walsh, no espetacular grupo James Gang. O mundo se surpreendeu quando Bolin foi apresentado como o novo guitarrista do Purple, dando origem a Mark IV, e, principalmente, quando Come Taste the Band chegou às lojas. Esse álbum não tem nada do peso da Mark II, ou da pomposidade da Mark III, sendo um álbum simples, cru e direto, e por isso, o melhor disco do Deep Purple. Coverdale e Hughes assumem o posto de líderes, e Bolin atua como referencial para os dois, deixando a tarefa de coadjuvantes para Paice e Lord. Liberdade musical e inovação no estilo de tocar, misturando funk, soul e até jazz, são as marcas registradas. Sete das nove canções trazem a autoria de Bolin, mostrando mais uma vez a importância que o mesmo teve na banda. “Comin’ Home” abre como todos os álbuns da fase Hughes/Coverdale, ou seja, uma grande pedrada, regado pelo sensual slide de Bolin, contando com as vocalizações de Hughes e do próprio Bolin. “Lady Luck” retoma as levadas dançantes de Stormbringer, enquanto “Gettin’ Tighter” exalta os dotes vocais de Hughes em um funk sensacional, onde o riff de Bolin é genial. “Dealer”, outro grande riff de Bolin, mostra como intercalar uma distorção pesada com slide guitar para criar um funk de primeira, e “I Need Love”, com muitas camadas de órgão e com o genial Bolin fazendo um solo perfeito, encerram o lado A. “Drifter” abre o lado B com mais um grande riff, e Bolin mandando ver no slide. É incrível como a Mark IV conseguiu unir funk e peso nas mesmas proporções. De novo Coverdale manda ver nos vocais, e Paice é quem se destaca mais, dando uma aula de bateria com variações entre o funk e o rock, executando uma complicada distinção entre chimbal e pratos. “Love Child” traz mais um riff pancada de Bolin, com uma cadência muito complicada de Paice. A lindíssima “This Time Around”, somente com Hughes acompanhado por teclados, é com certeza o ponto máximo da carreira do músico como vocalista, em uma das mais bonitas canções que o Deep Purple já gravou, seguida por “Owed to G”, uma instrumental matadora, que serve para Bolin mostrar o porque de ser considerado um dos melhores guitarristas de sua época. Apesar de simples, o solo de Bolin é recheado de feeling, com emprego direto de bends, arpejos e palhetadas inversas. “You Keep on Moving” encerra esse álbum indiscutivelmente no alto. A sinistra introdução, explodindo nos vocais de Hughes e Coverdale, arrepiam até os pêlos do cusco que mora na casa da vizinha. Um arranjo fabuloso, complementado pelo melhor solo da carreira de Bolin, utilizando o pedal de oitavas, são a cereja do bolo de um álbum sem igual, cheio de inspiração, e que demorou muito tempo para ter seu reconhecimento por parte da imprensa e até mesmo dos fãs, mas que hoje é analisado com outros olhos, principalmente por ser um dos principais registros da curta carreira de Bolin, que faleceu, vítima do abuso de heroína, em 04 de dezembro de 1976, seis meses depois do término oficial do grupo, motivado principalmente pelo desgaste entre os membros do grupo, em muito causado pelo exagerado consumo de drogas de Hughes e Bolin. O relançamento do álbum veio com muitos bônus e novas mixagens.

Coverdale fundou o Whitesnake, que depois contaria também com Paice e Lord, enquanto Hughes lançou-se em carreira solo, e foi tratar-se das drogas depois da morte de Bolin. Ao vivo, o período Coverdale/Hughes teve apenas um lançamento enquanto o grupo esteve na ativa, o essencial Made in Europe (1975). Após o término da Mark IV, saiu Last Concert in Japan (1977), gravado durante a turnê de Come Taste the Band, e em 1980, uma apresentação matadora da Mark III em Londres chegou para os fãs através de Live in London. Com o passar dos anos, vários lançamentos ao vivo do período 1968 – 1976 foram lançados pela gravadora Purple Records, em uma bela demonstração de atenção aos fãs.

Em 1984, o Deep Purple voltaria com a Mark II, para não mais acabar, como veremos na próxima edição do Discografias Comentas: especial Deep Purple.

8 comentários sobre “Discografias Comentadas: Deep Purple – Parte I [1968 – 1976]

  1. Gostaria de deixar claro que eu não tenho nada contra a Mark II na década de 70. O In Rock é um grande álbum, assim como o Fireball. Já o Machine Head enjoou de tanto insistir com Smoke on the Water, mas é um bom disco sim, e o Who do You Think peca bastante. A voltado grupo é que é brabra

    E não tem, no palco, o periodo com coverdale e hughes, cheio de egos, inclusive com o hughes tendo q criar um quadrado imaginario do qual nao podia sair, se nao apanhava do Blackmore, a Mark III era impecavel.

    E o que Bolin gravou, mesmo em um disco apenas, jamais vai ser superado. Essa guerra entre eu e o Micael para o Purple quase foi as vias de fato por causa da coletânea Anthology, a qual o micael comprou para ele, nao curtiu,eeu gostei muito do album, ouvindo direto.

    Mas, como ele é o mais velho, ele levou o vinil, e então, a guerra de discos começou entre nos, hehehehe

  2. Excelente texto, moçada!
    como era de se esperar, os únicos pontos em que apresento discordâncias é no Who do you think e no Stormbringer, ademais assino embaixo! Adoro o Come taste to the Band!
    Abraço!!

  3. Se for analisar friamente os melhores discos do Deep Purple são o Machine Head e o Made in Japan….
    Mas é que já ouvimos TANTAS e TANTAS vezes que as vezes começamos por desmerecer os mesmos….

  4. Belas resenhas, parabéns pelo contéudo e achar resenhas desse nível é dificilimo, recomendo pra todos meus amigos suas resenhas, vc expressa em palavras minhas opiniões sobre canções e discos e sobre Deep Purple vc matou a pau, eu acho Machine Head um album perfeito, mas o Mark III e IV são sensacionais também, a trinca Burn, Stormbringer & Come Taste the Band são excelentes discos…
    só não gosto dessa fase ao vivo, porque ver dois caras como Coverdale e Hughes se esguelando, um querendo aparecer mais que outro é meio deprimente, mas o que fora registrado em estúdio é surreal!!!
    trouxe o funk & soul music, o que pra mim foi muito benefico!!!
    e mais uma vez parabéns pelos textos

  5. "Bloodsucker" é um clássico! Who Do We Think We Are é um discaço! Ian Gillan é um MONSTRO do vocal, mas Burn e Stormbringer são MONSTRUOSIDADES difíceis de derrubar! É isso. >,<''

  6. cara q blog massa, qta coisa clássica tem aki, isso q é música mano! sou fan do purple desde piá pequeno, portanto cresci ouvindo os caras, sou fan do gillan, blackmore, lord eo bolin, este último era um prodígio, pena q foi cedo, poderia estar ae hj, agitando…mas era isso, no mais gostei das resenhas, vlw, abraços e escrevam sobre o QUEEN tbm, vlw mais uma vez!!

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