Discos que Parece que Só Eu Gosto: Ramones – Halfway to Sanity [1987]

Discos que Parece que Só Eu Gosto: Ramones – Halfway to Sanity [1987]

 

Por Diogo Bizotto
Minha aproximação com o Ramones foi bastante tardia se comparada com a de grande parte de seus fãs, que travaram seu primeiro contato com a banda durante a adolescência, ou mesmo antes. Foi apenas há poucos anos (tenho 27) que passei realmente a prestar atenção no grupo e ouvir seus discos na íntegra. Talvez por isso, e por ter começado a explorar sua discografia por iniciativa própria, sem influências externas, tenho grande apreço por alguns álbuns que foram lançados em uma época menos propícia para o quarteto, distante de seus primeiros anos e de álbuns extremamente influentes como Ramones (1976), Leave Home (1977) e Rocket to Russia (1977), que apresentaram ao mundo os quatro desajustados de Forest Hills, bairro novaiorquino de forte influência judaica: Joey (Jeffrey Hyman), Johnny (John Cummings), Dee Dee (Douglas Colvin) e Tommy (Thomas Ederlyi).
Apesar de ter plena consciência de que os discos supracitados são dotados de indiscutíveis qualidades e foram fonte de inspiração para que muitos jovens pegassem em instrumentos pela primeira vez, não posso negar que tenho uma forte queda por álbuns como Too Tough To Die (1984), Halfway to Sanity (1987), Brain Drain (1989) e Mondo Bizarro (1992). Os dois últimos, em especial, receberam bastante atenção no mercado nacional, sendo inclusive sucessos de vendas, ao contrário do que ocorria na terra natal dos músicos. Contudo, Halfway to Sanity não parece gozar do mesmo prestígio adquirido por seus sucessores, o que é uma pena, dado que algumas das mais inspiradas canções do grupo dão as caras em seu track list. 

Ramones em 1987: Richie, Dee Dee, Joey e Johnny

Halfway to Sanity é o terceiro e último disco registrado com o baterista Richie Ramone, que ajudou a moldar a sonoridade do grupo nos anos 1980 tanto nos estúdios quanto no palco, inserindo uma pegada hardcore que adicionou peso e velocidade, além de demonstrar sua personalidade através das músicas que compunha. As duas canções de Richie feitas para o álbum são justamente dois dos destaques: “I Know Better Now” e “I’m Not Jesus“. A primeira já prima por uma agressividade acima da média em se tratando de Ramones, especialmente no refrão em coro, mas “I’m Not Jesus” apresenta como nunca antes características que aproximaram o grupo das bandas de hardcore. Seus primeiros 25 segundos até enganam, dando a falsa ideia de que se trata de uma canção com pegada hard rock, mas dali em diante a pancadaria come frouxa quase sem descanso.

Ainda melhores que essas são as duas faixas compostas por Dee Dee em parceria com Daniel Rey, que estava produzindo o Ramones pela primeira vez. “I Wanna Live“, que abre o disco e é forte candidata a ser minha música favorita do grupo, destoa um tanto do que normalmente se espera do Ramones, apresentando um ataque às cordas da guitarra um pouco mais dinâmico que o habitual, menos reto, sinal de uma possível influência heavy metal. Até um pequeno solo dá as caras em meio a seus pouco mais de dois minutos e trinta segundos, bastante simples, mas melódico e de muito bom gosto, complementando a faixa de maneira a torná-la o maior destaque do disco. Outra parceria entre Dee Dee e Daniel é a ótima “Garden of Serenity“, uma das mais sombrias canções já feitas pelo quarteto, característica reforçada pelo grave coro masculino que ecoa ao fundo das vocalizações de Joey, cantando o refrão que se resume a pouco mais do que o nome da canção. Certamente uma joia perdida na discografia do Ramones, lembrada apenas pelos mais atentos.

Debbie Harry e Joey

Por falar em Daniel Rey, é bom citar que, apesar da produção do álbum anterior, Animal Boy (1986), ter dado um aspecto mais agressivo a suas músicas, em especial devido à saturação na guitarra de Johnny, o trabalho de Daniel em Halfway to Sanity, mais afiado e perspicaz, combinou melhor com a sonoridade do quarteto, que nessa época recebia a influência de grupos mais pesados, que o próprio Ramones havia influenciado no passado. Ligada ao passado do Ramones é a banda Blondie, companheira na cena novaiorquina dos anos 1970, mas que acabou enveredando por caminhos mais popularescos. Debbie Harry, vocalista do grupo, que na época encontrava-se fora de atividades, participa de “Go Lil’ Camaro Go”, dividindo com Joey as vocalizações nessa faixa, que remete aos inocentes rocks da década de 1950.

Outra relação do Blondie com o Ramones é o fato de que, após a repentina saída de Richie do grupo, Clem Burke, baterista do Blondie, ocupou a vaga durante dois shows, em agosto de 1987, atuando como Elvis Ramone. O substituto efetivo de Richie acabou sendo o próprio Marky Ramone, seu antecessor, que tomou conta do posto até o encerramento das atividades do quarteto, em 1996. Sobre a motivação para a saída de Richie, hoje em dia é de amplo conhecimento que o baterista, mesmo tendo tocado com o grupo em três álbuns e suas subsequentes turnês, além de compor, não era considerado um verdadeiro Ramone quando se tratava de aproveitar os dividendos que a banda gerava, em especial com a venda de camisetas (receita importante tendo em vista a grande quantidade de acessórios que ostentam o nome do grupo). Irritado com isso, Richie preferiu abandonar o barco.

Voltando ao aspecto puramente musical, Dee Dee tem seu momento vocal solo em “I Lost My Mind”, cantada da maneira debochada e displicente que lhe é típica. Outra que se sobressai em função da estranheza de seus vocais é “Weasel Face”, que traz Joey esguelando-se de maneira bastante agressiva durante as estrofes e empregando seu estilo mais fanhoso no refrão. Outra a seguir linha semelhante é a música que finaliza o disco, a curta “Worm Man”.

Seguindo a linha desenvolvida pelo grupo em especial a partir do álbum End of the Century (1980), constituindo tracklists mais variados, o restante de Halfway to Sanity alterna faixas dotadas de melodias fáceis e grudentas, como a sessentista “A Real Cool Time” e a romântica e lenta balada “Bye Bye Baby” (com direito a bastante teclado), duas típicas canções de Joey, com músicas mais trabalhadas (para o nível do Ramones), incluindo a execução de riffs interessantes sobre ideias melódicas bastante felizes, caso de “Bop ‘Til You Drop” e “Death of Me”, duas das mais agradáveis faixas do disco.

Johnny e Dee Dee aquecendo em um camarim

 

Halfway to Sanity pode até não ser meu álbum favorito do grupo, honra merecida pelo magnífico e intenso Mondo Bizarro, mas é pouco discutível quão relegado a um segundo plano ele é em detrimento de outros discos mais influentes, mas não necessariamente melhores. Aliás, é bastante notável como uma grande porção da discografia do Ramones, em especial nos anos 1980, foi deixada de lado tanto pela crítica, que muitas vezes ignora tal fase por completo quando discute a respeito da banda, quanto pelo público. Sintoma disso foi a modesta posição de número 172 alcançada por Halfway to Sanity na Billboard quando de seu lançamento. Se bem que “injustiça” e “Ramones” são duas palavras que combinam quase perfeitamente…

 

Track list:

1. I Wanna Live
2. Bop ‘Til You Drop
3. Garden of Serenity
4. Weasel Face
5. Go Lil’ Camaro Go
6. I Know Better Now
7. Death of Me
8. I Lost My Mind
9. A Real Cool Time
10. I’m Not Jesus
11. By Bye Baby
12. Worm Man

12 comentários sobre “Discos que Parece que Só Eu Gosto: Ramones – Halfway to Sanity [1987]

  1. Perfeita matéria, Diogo, para este que é um dos meus discos preferidos da minha banda favorita em todos os tempos. Meu primeiro lugar na discografia do grupo sempre foi de "Animal Boy", mas "Halfway" está no pódio com merecimento. A única canção que eu não curto muito é exatamente "Go Lil' Camaro, Go", que acho que destoa do tom mais pesado (tanto musical quanto liricamente) do resto das faixas, embora seja muito mais típica dos Ramones do que elas… Só que "Garden Of Serenity" e "I'm Not Jesus" estão dentre as minhas favoritas da discografia da banda, e todas as demais são muito boas.

    É incrível como muita gente parece ignorar os disco lançados entre "Pleasant Dreams" e "Brain Drain", como se a banda só tivesse lançado coisas válidas ou com Tommy na bateria ou já sem Dee Dee no baixo. O que é uma tremenda estupidez! Os "brothers" nova-iorquinos são a única banda que conheço que nunca lançou um disco que possa ser chamado de "ruim", e, para aqueles que os acusam de lançar sempre o mesmo álbum, ouçam na sequência "Leave Home", "Subterranean Jungle", "Halfway To Sanity", "Acid Eaters" e "Adiós Amigos" e me digam depois se eles parecem todos iguais…

    Fiquem com seus sons "elaborados", que eu fico com a boa música dos Ramones! Hey Ho, Let's Go!

  2. Eu diria até mais: de "Pleasant Dreams" em diante a banda só voltou a ser lembrada de verdade quando anunciou sua aposentadoria, pois o sucesso renovado que o Ramones apresentou nos anos 90 foi muito restrito a países como Brasil e Argentina, sem se refletir em outros mercados, incluindo o norte-americano.

    E faço coro: Ramones não tem disco ruim!

  3. Que surpresa,foi ver,este estupendo disco,aqui na Consultoria do Rock.É um disco injustiçado,e subestimado.A produção,do Daniel Rey,fez diferença.Ele na minha opinião,foi o melhor produtor da banda,muito embora,Johnny sempre fez questão,de rssaltar,qque preferia,Tommy,como produtor.é uma pena,que nesse álbum,Dee Dee só cante uma música,I lost My Mind,umaa de suas melhores composições.I'm Not Jesus,o que dizer dessa música??Um hardcore,de primeira,de dar inveja,ao Exploited.Interessante,na parte do meio da música,quando temos novamente,o riff da introdução,da música,com o "Pai Nosso",sendo rezado,em latim.É o Richie,ou o Dee Dee,quem narram o Pai Nosso??Bop Til You Drop,uma música cadenciada,com um excelente riff de guitarra.Quem disse,que os Ramones,não sabiam compor músicas,agressivas,com Riffs cadenciados??O G.G.allin,tem uma música,chamada,Die When You Die,que possui um riff,semelhante,a esse,pelo menos,na parte cantada.Worn Man,parece ter sido,inspirada,nos Stooges,mais especificamente,em 1969".Garden Of Serenity,uma prova,de que Dee Dee,foi um grande poeta,do Punk Rock.Muito legal,o Backing Vocal,dessa música,chegando a lembrar(só um pouco),canto gregoriano,coisa que os Yardbirds,já tinham feito nos anos 60.Grande disco!!

  4. Apesar de achar que Ed Stasium trabalhou muito bem em "Mondo Bizarro", também vejo Daniel Rey como o melhor produtor com quem o Ramaones trabalhou. O cara consegui modernizar o som da banda sem de maneira alguma descaracterizá-lo. "Halfway to Sanity" e "Adiós Amigos" atingem o cérebro de cara e mostram um Ramones atualizado com a sonoridade de suas épocas, mas sem sacrificar seu estilo de compor em favor disso.

  5. E outra Bizotto,o Daniel Rey,fazia o som dos Ramones,soar sujo,e encorpado.Um produtor,dos Ramones,que na minha opinião,foi o pior de todos(não estou falando do Phil Spector),foi Graham Goldman,produtor,do pop e meloso,Pleasant Dreams.O caraa deixou o som,dos Ramones,ainda mais do que End Of The Century,que foi produzido,pelo psicopata,do Phil Spector.No Pleasnt Dreams,a guitarra de Johnny,esta quase apagada,e muito limpa.Eu discordo,quando dizemque Subterraneam Jungle,é o pior disco dos caras.Pelo menos,possui três músicas memoráveis,que são Highest Trails Above,Psychoterapy,Time Bomb.Graham Goldman,ficou conhecuido,por ter composto,For Your Love,dos Yardbirds,e No More Today,do Herman and Hermits.Melhor que Halfway To Sanity,só o Adios Amigos,também prduzido por Rey.E sem dúvida,é o disco mais pesado,e agressivo,dos Ramones.

  6. Esses três discos dos Ramones, Too Tough To Die, Animal Boy e Halfway To Sanity, são magníficos. A genialidade de Dee Dee, e o melor baterista dos Ramones, Richie, contribuíram, para essa sequênica de discos incríveis. VIVA RICHIE RAMONE!!

  7. Dee Dee certamente morreu frustrado, por ter sido sempre ofuscado pelo Joey. Explico, Chris Stein do Blondie, no documentário dos Ramones, End of the Century, diz que Dee Dee sempre demosntrou frustração, pelo fato de Joey, sempre ter levado créedito por tudo. Se foi isso o que eu entendi. Os discos solo de Dee Dee, com exceção do ótimo "I hate freaks like you", soam fracos e inconsistentes. Parece que com os Ramones, existia química, energia, ou melhor ainda, magia. Nessa fase, Richie foi essencial, seu estilo de tocar era muito mais rápido e agressivo do que Mark, sem o desmerecer, claro.

  8. Acho que os três discos tocados pelo richie ramone muitos bons, uns dos melhores, é até difícil dizer qual melhor. Mas cometando sobre o Halfway to Sanity, pra mim foi a melhor produção junto com o mondo bizarro e foi uma pena que o richie ramone tenha saído logo depois. Pra mim, ele não era só o melhor baterista que a banda teve(tecnicamente dizendo), como tbm um ótimo compositor e Cantor(Quem não o conhece cantando coloque no youtube a música "Can't Say Anything Nice" e tirem suas próprias conclusões)

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