Clássicos e Achados: David Bowie – in Bertolt Brecht’s Ball [1982]

Clássicos e Achados: David Bowie – in Bertolt Brecht’s Ball [1982]

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Por Mairon Machado

Eugen Bertholt Friedrich Brecht nasceu em 10 de fevereiro de 1898, na cidade de Augsburg, Alemanha, e foi um dos principais dramaturgos e poetas do período nazista. Com apenas dezesseis anos, Brecht teve contato com a Primeira Guerra Mundial, vendo muito de seus amigos alistarem-se no exército alemão para combater em armas contra os inimigos.

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Brecht na época que escreveu Baal

Em 1918, ele escreveu sua primeira grande peça, Baal, encenada pela vez primeira em 1923, dando início a uma série de publicações que influenciaram diretamente no teatro contemporâneo, principalmente por empregar nas suas obras o cenário Marxista adotado por ele como filosofia, o que posteriormente fez com que o mundo o conhece-se como o pai do chamado Teatro Épico.

A peça Baal é tida por muitos como uma joia na carreira de Brecht. Ainda sem defender os pensamentos de Karl Marx, ou de conter elementos do Teatro Épico, nela temos a história de um jovem cantor e poeta – Baal – galanteador, folgado e bebedor, que se envolve com várias mulheres, engravidando uma prostituta, a qual acaba abandonada por Baal grávida na estrada, quando este decide ir embora para o Sul da Alemanha, junto com um amigo chamado Eckart, que depois é assassinado pelo próprio Baal por divergências com mulheres e bebidas. Baal passa a ser um foragido da polícia, que o persegue pelos campos alemães. Escondido em uma fazenda de cortadores de árvore, e muito doente, Baal acaba falecendo de pneumonia, totalmente solitário.

O texto é escrito em uma aguçada prosa que inclui quatro canções e um hino introdutório ao coral, além de melodias compostas pelo próprio Brecht, mas para muitos é uma obra do segundo escalão na literatura Brechtiana.

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Bowie as Baal

David Robert Jones nasceu em 08 de janeiro de 1947, tornando-se mundialmente conhecido como David Bowie. No início da década de 70, Bowie fez misérias como Ziggy Stardust, lançado no excepcional e fundamental The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars (1972), e quatro anos mais tarde, mergulhando nas drogas e fazendo tanto sucesso quanto com Ziggy através de um novo personagem, The Thin White Duck, eternizado no também excepcional e fundamental Station to Station (1976).

Para fugir das drogas, Bowie isolou-se na Alemanha Ocidental em 1977, lançado por lá uma trilogia que julgo ser os melhores álbuns de sua carreira: Low, “Heroes” (ambos de 1977) e Lodger (1979), além do ao vivo Stage (1978). Foi lá que ele teve contato com a obra de Brecht, e se encantou pelo artista.

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A versão 12″ (esquerda) e 7″ (direita) da trilha sonora de Baal

A fascinação por Brecht foi tamanha que, ao retornar para o Reino Unido, fez com que Bowie conseguisse um contrato com a BBC para filmar sua versão para Baal. A peça foi ao ar na TV em 13 de fevereiro de 1982, tendo sido filmada em setembro de 1981, e traz Bowie no papel principal, como um tocador de banjo e sendo um grandioso fanfarrão, em uma interpretação cênica digna de sua desconhecida carreira no cinema (a saber, existem pelo menos dois filmes com interpretações célebres de Bowie, O Homem que Caiu na Terra e Furyo, em Nome da Honra, que devem ser vistos pelos fãs do artista, além de participações marcantes em Labyrinth, Basquiat, O Grande Truque e A Última Tentação de Cristo, só para citar alguns), apesar da trama em si ser um pouco cansativa e dos colegas de cena de Bowie não serem nenhum artista de renome, ou fazer uma interpretação soberana (alguns nomes que aparecem na obra, e que por ventura você possa conhecer: Robert Austin, Russell Wootton, Julian Wadham, Juliet Hammond-Hill, Jonathan Kent, Tracey Childs, entre outros), bem como a fotografia ser bem precária para uma peça da BBC – um exemplo é quando os soldados estão procurando Baal supostamente caminhando em uma região com névoa, onde percebe-se nitidamente que os soldados repetem a caminhada com o mesmo fundo de névoa por algumas vezes.

Como uma espécie de complemento ao lançamento na TV, o próprio David Bowie decidiu lançar um EP com as canções do álbum. Assim nasceu o cobiçado caça-níqueis David Bowie in Berthold Brecht’s Baal. Produzido pelo amigo Tony Visconti, nele Bowie construiu novos arranjos para canções e passagens que aparecem originalmente no vídeo que foi ao ar na BBC, com letras traduzidas do alemão para o inglês por Ralph Manheim e John Willett, e contaram – no programa – com arranjos de Dominic Muldowney. São apenas cinco canções, bastante teatrais e diferente de tudo o que Bowie gravou antes ou veio a gravar depois, tornando-se uma joia especial em sua discografia.

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Encarte (acima) e detalhes da versão 7″ (abaixo)

“Baal’s Hymn” é a fusão de todas as vinhetas que aparecem no vídeo, narrando a vida de Baal, mas ganhando um imponente arranjo orquestral, já que as vinhetas originalmente apenas tinham Bowie acompanhado de seu banjo, declamando as frases que agora compõem esse tocante hino. “Remembering Marie A” trata sobre as conquistas de Baal, em um tema sútil, com Bowie acompanhado ao piano e uma tímida orquestra, em uma peça originalmente composta por Brecht em uma viagem de trem para Berlin, e que havia sido batizada “Sentimental Song n° 1004”).

O lado B tem “Ballad of the Adventures”, uma épica peça na qual Bowie lamenta a morte de sua mãe, sobre um profundo e sinistro arranjo orquestral, sendo uma homenagem de Brecht a própria mãe, que faleceu enquanto ele escrevia Baal. “The Drowned Girl” trata sobre o suicídio de uma das conquistas de Baal, com Bowie cantando quase que em sussurros, tendo uma agonizante companhia orquestral que entoa a peça “Das Berliner Requiem”, de Kurt Weill, uma das músicas favoritas de Brecht. Por fim, “The Dirty Song” é uma das poucas canções que estão idênticas ao que aparece na BBC, que é o momento onde Baal humilha Sophie, uma das várias mulheres que se apaixona por ele.

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Um pouco mais do encarte da versão 7″

O disco saiu em dois formatos, o primeiro em uma versão de 12″, capa simples, e o segundo em uma luxuosa – e mais cobiçada – versão 7″, com capa quádrupla trazendo a narração da história e detalhes sobre a gravação tanto das músicas quanto do programa.

Uma peça rara, não tão essencial, mas que pelo seu valor histórico, e também para os que a desconhecem, vale a pena a aquisição, principalmente para os fãs fervorosos e fieis de Bowie, que inclusive fizeram com que a bolachinha chega-se na posição vinte e nove das paradas britânicas, mostrando todo o poder de Midas de David Bowie.

Compre, não é furada
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Track list

  1. Baal’s Hymn
  2. Remembering Marie A
  3. Ballad of the Adventures
  4. The Drowned Girl
  5. The Dirty Song

6 comentários sobre “Clássicos e Achados: David Bowie – in Bertolt Brecht’s Ball [1982]

  1. Que legal, Mairon! Gosto quando extrapolamos nossa fixação juvenil por algum roqueiro e fixamos a atenção em outras personalidades. Brecht teve um cover de Bowie também na música Alagama Song, de sua Ópera dos Três Vinténs, música que ficou conhecida mesmo entre os cabeludos enroladores de baseados graças a Jim Morrison no primeiro disco do Doors. Não tenho certeza, mas imagino que é óbvio que Frank Marino batizou sua banda Mahogany Rush em homenagem a Brecht, assim como Dagmar Krause pode mais uma vez mostrar a incrível cantora que é através do disco Supply and Demand, só com músicas de Brecht/Weill. Enfim, os exemplos são muitos da importância do dramaturgo alemão nas bolachas sabor rock’n’roll. E quem não conhecia não sabe o que perdeu. Parabéns pela matéria!

    1. Obrigado Marco. Desconhecia as citações que você trouxe, até por que ainda sou novato na obra de Brecht. Valeu mesmo. Como é bom ter um colega como você!

  2. Também lembrando que Roger Daltrey estrelou a versão cinematográfica da Ópera dos Três Vinténs e que a mesma obra foi adaptada por Chico Buarque na famosa Ópera do Malandro.

  3. Great! Complementando: A versão 12″ não saiu no UK, apenas em alguns territórios europeus, Japão e EUA. E existe uma versão capa dupla dessa versão 12″

    Algumas músicas desse EP aparecerem no formato cd em algumas coletâneas e box.

  4. A biografia de Bowie comenta o seguinte (e só isso) sobre esse disco que o Mairon nos apresentou:

    “Bowie também continuou a atuar. Foi cogitado que ele interpretaria Abraham Lincoln na ópera teatral vanguardista de Robert Wilson, The Civil War. Ele acabou vivendo Baal, o personagem título na produção da BBC de Bertolt Brecht, com dentes manchados, roupas suas e luvas sem dedos. “Bowie está em farrapos e parece suficientemente debilitado, mas uma falha de produção é que não temos uma impressão convincente da deterioração de seu corpo ou de sua suposta cultura brilhante”. criticou a NME. “Porém a questão é mais a falta de cerimônia de Baal com os espectadores, a violência que ele inflige sobre os hábitos sociais das classes alta e baixa; ele é um germe viajante, e a única tensão na narrativa de Brecht reside na misantropia cruel de Baal – ele pode descartar qualquer um”.

    E só…

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