Melhores de 2016: Por Mairon Machado
Ano passado, na análise dos Melhores de 2015, tomei um esporro do colega Marco Gaspari que me deixou com muita vergonha. Realmente, nas sábias palavras do mestre siri, aquela lista era um aglomerado de velharias, com poucas novidades, que refletiam um pouco minha preguiça em procurar novos bons sons.
Determinado e obstinado a receber um elogio do meu querido amigo crustáceo, em 2016 dediquei muita atenção aos lançamentos que pipocavam quase semanalmente no youtube e no bandcamp. Cadastrei-me em alguns canais e no fim, fui surpreendido por uma gama de bandas novatas que estão fazendo um som de qualidade altíssima, nas mais variadas região de nosso planeta Terra.
Foi difícil fechar apenas 10 discos, por que temos muitos lançamentos bons, mas enfim, a regra é essa, e então, aqui vão os meus 10 mais de 2016, sendo que nos comentários, deixarei os outros discos que ouvi para que vocês possam ir atrás. Obrigado Marco, por me incentivar a ouvir novos bons sons, e espero que aprecie os discos a seguir.
Ah, um detalhe! dessa feita não irei trazer opiniões sobre decepções, lados negativos e outras coisas que complementaram minhas listas do passado. Afinal, depois da morte de David Bowie, nada pode ser pior.
Church of the Cosmic Skull – Is Satan Real?
Então você encontra uma imagem de um hepteto todo de branco com uma Flying V e um órgão. Olha o nome da banda e percebe que é algo tão psicódelico que nem a Califórnia podia criar algo assim. O nome do disco e as vestimentas sugerem algo religioso, e o arco-íris parece ressaltar o flower-power com ainda mais força. Daí decide ouvir “isso daí” e depara-se com um minuto de um solo de guitarra em crescendo apocalíptico, seguido de vocalizações entoadas em uníssono junto com o riff da guitarra, um órgão maravilhoso, uma melodia sensacional e grudenta, e quando vê, seu corpo está balançando no ritmo avassalador de “Mountain High”. Sem perceber, você vai cantando as melodias vocais que saem das caixas de som, os arrepios vão tomando conta da sua pele, e aos poucos, você está se convertendo para a Igreja da Caveira Cósmica. O clima enigmático de “Black Slug”, com um riffzão pesadíssimo, irá assustar aqueles que estavam encantados pela felicidade da faixa anterior, mas mesmo assim, a curiosidade irá fazer você seguir ouvindo, para entender aonde essa seita irá chegar. O órgão e o dedilhado de “Movements In The Sky” voltam a acalmar os ânimos, ainda mais com essas vocalizações tão belas, e quando o violão zeppeliano de “Answers In Your Soul” ecoam pela casa, bom, daí não tem jeito. É se ajoelhar e orar em Nome da Caveira por voltar ao final dos anos 60 vivendo em 2016. A união do órgão, baixo e guitarra na intrincada faixa-título trazem um pouco do melhor do rock progressivo britânico, e “Watch It Grow” deixará você viciado na repetição do nome dessa faixa. Por fim, os onze minutos de ” Evil In Your Eye” irão celebrar sua entrada para a Igreja sublimemente, em uma blues ballad que é a melhor faixa do álbum, sendo que o solo de órgão é para chorar em prantos em Nome da Caveira!. Não importa quem são os “pastores” dessa Igreja, o que importa é a lavagem cerebral que eles fazem com seus instrumentos e suas vozes. Um dos melhores discos dessa década – se não o melhor – e obrigado youtube por me apresentar essa jóia britânica.
David Bowie – ★
Só não foi o melhor disco de 2016 por que realmente, o Church of the Cosmic Skull me derrubou como os deputados da direita derrubaram a Dilma. O que eu precisava falar de principal sobre esse álbum está aqui. DISCAÇO, e ADEUS BOWIE, o Maior e Melhor Artista de Todos Os Tempos.
Whoopie Cat – Whoopie Cat
Cara, sabe aquele disco de rock ‘n’ roll bem tocado, com solos de guitarra rasgados, vocais muito bons, cozinha azeitada, isso é Whoopie Cat, o primeiro lançamento do grupo, no formato EP, mas com 33 minutos de duração, o tempo médio dos vinis da década de 70, e é lá que a a banda foi buscar inspirações. Ela pode lembrar nomes incensados nos últimos anos, como Rival Sons ou até Blue Pills, mas a sonoridade dos Cats vai além disso. O quinteto de Melbourne faz um som que agrada todos os estilos, sendo que a mistura de elementos leves (“When She Goes”) com outros pesados (ouça o solo do excelente guitarrista Jesse Juzwin na mesma faixa citada), atestados por um vocalista muito bom chamado Dan Smoo, e que rasga a garganta nas ótimas “Sun don’t Shine”, “When the Light” e “Taken My Money”, nos remete direto às grandes bandas setentistas. Blues rock de primeira qualidade, com destaque principal para o bluesão “Amy Rose”, e claro, para as sensacionais vocalizações de “As Long As I Can”, grudentas como piche, e que para quem curte grupos tradicionais de Led Zeppelin a Black Crowes, sem firulas, apenas com feeling nas alturas, irá ser um deleite, pois o que não falta são solos inspirados e vocalizações sensacionais. Releve a capa e absorva o sulco desse EP/álbum incrível. Tomara que não fique só nesse.
Lee Van Cleef – Holy Smoke
Power trio italiano que nasceu no final do ano passado, e já nasceu com pompas de grandiosidade. Esse álbum é um desbunde sonoro de fascínio, que como a própria banda define, “dilata as fronteiras da consciência e libera a lucidez da medula da narcose”. Os riffs da guitarra de Marco Adamo, vomitando wah-wah e muito peso, são magnéticos, impressionantes, levando-nos por escadas em espirais que atiçam a audição em cada degrau, até chegar no alto da escadaria com uma vista impressionante de uma montanha em chamas ardentes e, por que não, fumegantes de psicodelia. Faixas com durações na medida, sem serem longas demais ou curtas demais, e que mostram que ainda existem bandas capazes de criar um som diferenciado. Ouça a lindeza dos riffs de “Hell Malo”, faça uma viagem ao deserto marroquino em “Towelie”, curta a pureza angelical de “Heckle Yuppies”, assuste-se com o andamento carregado de “Mahãna”, e duvido você se segurar durante a reta final da excelente “Banshee”, pois o que esse italiano toca na guitarra, pqp!!! Um dos álbuns mais originais que ouvi em 2016, e é o primeiro de uma série de álbuns instrumentais lançados neste ano que me encantaram profundamente,
The Spacelords – Liquid Sun
O quarteto alemão já havia me impressionado com o excepcional Synapse (2014), onde empregavam psicodelia e progressivo com muita gana e tesão, e o mesmo procede nesse disco. Três longas faixas que exalam um aroma lisérgico de um ácido extremamente chapante, capaz de literalmente derreter o Sol, e tudo isso em pouco mais de quarenta e quatro minutos. A maior delas, “Black Hole”, tem um clima soturno que te fará pensar e refletir muito sobre seu gosto musical após o término da mesma, sendo que particularmente eu me embasbaquei com ela, e percebi que o Metal está cada vez mais em baixa aqui em casa, por que o que esses caras fazem misturando peso, progressivo, criatividade e doses cavalares de alucinantes é para poucos. Um sonzão para colocar cada poro de seu corpo para suar, ainda mais com 21 minutos de duração. Antes, é impossível não mergulhar em um oceano de chá de cogumelos com os intergalácticos acordes psicodélicos dos teclados de Didi Holzner em “Liquid Sun” – que baita crescendo feito pelas notas repetidas hipnoticamente – e com a guitarra mais que afiada de Hazi Wettstein em “Spaceship Breakdown”, uma embalada faixa com elementos sabbháticos uriaheepianos mas com muita psicodelia inglesa no meio, sendo isso apenas um aperitivo do majestoso banquete musical que os alemães fornecem para seu súditos, e que faria Robert Wyatt pular pelo quarto junto com a turma do Gong (eita mistura boa!). Segundo dos álbuns instrumentais, este tem o detalhe de ter elementos harmônicos muito bem feitos, principalmente para quem aprecia uma boa viagem lisérgica através da música .
Electric Octopus – This Is Our Culture
Um disco de uma hora e dez minutos com apenas três faixas, é praticamente tudo o que peço à Deus em termos de música, e é isso o que o trio britânico Electric Octopus nos entrega nesse belíssimo disco, o terceiro grande álbum instrumental que ouvi em 2016. As faixas (“Disenchanted Creative Response”, com solos melódicos e muito ritmo, “Absent Minded Driving”, com certeza a mais viajandona delas, e “Sundried Equivalence, um blues chapante para Eric Clapton lembrar que um dia ele tocou esse estilo) foram gravadas em apenas um único take, como forma de mostrar para os próprios músicos do que eles eram capazes, sem nenhum ensaio, e portanto, são regadas por longas e delirantes improvisações que permeiam desde o jazz rock até o mais complexo rock progressivo, sem soar pomposo, maçante, cansativo ou virtuosístico demais. Viajar com os solos de guitarra de Tyrrel Black, a levada endiabrada da bateria de Guy Hetherington e o baixão swingado de Dale Hughes foi uma das boas experiências que tive nesse ano, e ouvir This Is Our Culture seja como pano de fundo enquanto dirige por uma estrada ensolarada, seja acompanhado de um belo 12 anos e alguns petiscos, foi-me uma das experiências mais revigorantes nesse ano cansativo e turbulento de 2016. Recomendo também Under A Black Moon, o EP na mesma linha desse álbum, que saiu em outubro desse ano, e o ótimo Be Real, álbum lançado mês passado, com Hughes também explorando com propriedade os teclados, tão bons quanto este que selecionei para minha lista de 10 mais.
1000mods – Repeated Exposure To…
Quando o baixo de Dani G. explodiu nas caixas de som do meu computador, meu queixo foi até o inferno, e lá, encontrou algumas dezenas de ídolos do rock ‘n’ roll, bebendo cerveja, comendo uma boa costela e celebrando o quarto álbum de uma bandaça. O som do grupo apresenta fortes influências stoner, só que não é uma cópia ou similaridade de nada que você possa lembrar. O baixo – que coisa maravilhosa nós ouvimos em “The Son”, para mim a melhor do disco – e as vocalizações – sensacional o arranjo vocal de “Groundhog Day” – são os maiores destaques em um disco muito bem trabalhado e produzido. Duvido que você adivinhe da onde a banda é – tá bom, vou entregar, os caras são gregos!! Entregue-se ao feitiço dos oito minutos de “Into the Spell” (que clichê), absorva um show de wah-wah em “Loose” e “A.W.”, e no geral, deixe o 1000mods apresentar um som poderoso, moderno, impactante e muito, muito grudento. Mergulhei na discografia da banda e me encantei. É promessa de DC no segundo semestre do ano que vem. A frase estampada na capa do disco diz tudo: ““repeated exposure to high sound levels (more than 80 decibels) might cause permanent impairment of hearing”. Para quebrar pescoços e joelhos!!!
Native Daughters – Master Manipulator
Esse disco eu ouvi pela primeira vez por conta da capa, e a partir do momento que a música começou a rolar, foi uma paixão a primeira ouvida. O quarto grande disco todo instrumental de 2016 é uma viagem sonora provocada por viradas de bateria intensas, já que temos uma dupla de baterias sendo apresentadas ao ouvinte, notas climáticas de guitarra e surpreendentes despejamento de peso no meio de uma delirante e hipnótica camada de música ambiente, me lembrando bastante o fantástico grupo Isis. Um disco envolvente, principalmente para quem quer ser surpreendido, destacando as faixas “UninVAIted”, música sensacional, repleta de mudanças de andamento, a trabalhada e maluquete “Duke”, para arrepiar os cabelos do dedão do pé, e principalmente, “Happy New Year, Nurse”, uma apropriada canção para esse fim de ano que é uma pancada lindíssima nos ouvidos macios dos metaleiros que acharam o novo disco do Metallica de sensacional para cima. Bela descoberta!!
Suicidal Tendencies – World Gone Mad
Em um ano tão maluco como foi 2016, esse foi o melhor título de álbum, e das velharias, o que mais gostei depois do Bowie. Cara, como o Lombardo é um monstro na bateria, independente do estilo que ele toque, e como se encaixou bem ao som do Suicidal. A banda apresenta um metal pegadão, mantendo suas características ligadas ao hardcore e ao crossover, mas de alguma forma, esse disco me atingiu positivamente que eu passei semanas ouvindo ele. A homenagem para Ozzy em “Clap Like Ozzy” é sensacional. Além desta, destaco também as três faixas longas que o grupo registrou, as quais são “Happy Never After”, “The New Degeneration” e “Still Dying to Live”, essa diferente de tudo o que já tinha ouvido do Suicidal antes, bem melódica e embriagantemente linda, bem como “One Finger Salute” (que baita título, e Ra Díaz destruindo no baixo) e a espantosa levada acústica de “This World”. World Gone Mad é um show de solos rasgados e velozes por Dean Pleasants, e pena que, segundo o vocalista Mike Muir, talvez seja o último álbum da banda, pois esse trabalho mostra que os velhinhos ainda tem muita lenha para queimar.
Atlas – Death & Fear
O som que sai das caixas durante a audição de Death & Fear é um bálsamo stoner viajante para não se colocar defeito, com um diferencial, os vocais. Distorções ao máximo unem-se aos arranjos vocais muito bem elaborados pelo quarteto sueco. É desse tipo de banda que eu tenho curtido ouvir atualmente em se tratando de novidades, ou seja, uma banda que carrega as fortes referências do melhor do rock pesado do passado, mas trazendo elementos criativos que tornam suas músicas criações próprias. Confira a intrincação da ótima faixa de abertura, “Wermland” e sinta o que estou afirmando nessas linhas, mas se você quer ir direto apreciar a cereja do bolo, delicie-se com o espetáculo sonoro de “A Waltz”. Vários discos poderiam estar ocupando essa décima posição, mas ouvindo Death & Fear mais uma vez, tenho certeza que fiz a escolha certa.
Tu praticamente viciou no canal Stoned Meadow Of Doom, né? Maioria desses discos tem lá! Pena que não sou muito chegado nesse tipo de som, o mais legalzinho pra mim foi o Cosmic Skull mesmo.
Hehehee. Esse, o 666 Mr. Doom e o REBEL MUSIK alimentaram os ouvidos esse ano
Fiquei bastante sensibilizado pela citação do meu nome na introdução à sua lista, Mairon, embora saiba que graças a isso estou concorrendo ao prêmio “Mala do Ano”. Mas vamos lá: li um dia desses uma frase de efeito que dizia o seguinte: “Não é o som do vinil que era melhor, a música era melhor”. Esse é o tipo de mito que alimentamos quando viramos as costas para os novatos e cultuamos apenas os estabelecidos. E numa época em que as rádios não mais divulgam os lançamentos, em que a mídia prefere a preguiça da certeza ao trabalho da descoberta, cabe a nós garimpar as pepitas no veio cada vez mais escondido da criatividade. E pelo que eu já vi nas listas publicadas até agora, tem muita coisa interessante, que nos faz abrir mão do passado para apostar no presente e vislumbrar que existe futuro sim. Por mais que eu seja fã e respeite o trabalho que os hoje dinossauros do rock continuam lançando, não são eles que precisam de visibilidade. Qualquer peido que eles soltam por aí é cheirado por uma legião de narizes cativos. Mas quando a gente descobre em uma lista algumas recomendações que não fazíamos a mínima ideia que existissem, isso sim é um mimo, um presente. Eu, por exemplo, me sinto valorizado enquanto leitor. Eu não busco nessas listas coincidências nem afinidades. Eu não gosto de listas. Eu procuro o desafio do novo. E fiquei muito feliz que você tenha entendido minha crítica. Quanto aos discos escolhidos, ouvi alguns e gostei bastante, mas ainda sinto que são ecos de outras gerações. Bom, talvez essa seja a tendência afinal…
Não é a toa que vc é mestre
Outros discos que ouvi (e gostei) em 2016
Airbourne – Breakin’ Outta Hell
Anderson / Stolt – Invention Of Knowledge
Arrakis – Electricon
Anthrax – For All Kings
Blackdust – Blackdust
Brunt – Blackbeard
Buffalo Fuzz – Buffalo Fuzz
Caravela Escarlate – Rascunho
Case/Lang/Veirs – Case/Lang/Veirs
Cattarse – Black Water
Cloud – Indeterminate
Dead Elephant – Heavy , Huge and Rotten
Domkraft – The End of Electricity
Dope Smoker – Marijuana
Droids Attack- Sci-Fi Or Die
Druid – Odysseus
Duel – Fears Of The Dead
Electric Octopus – Under A Black Moon
Evergrey – The Storm Within
Gorilla Pulp – Peyote Queen
Grotto – Smokonomicon
High Spirits – Motivator
Indica – Stone Future Hymns
It’s Not Night: It’s Space – Our Birth is but a Sleep and a Forgetting
Jeff Beck – Loud Hailer
Kansas – The Prelude Implicit
Kero Kero Bonito – Bonito Generation
King Buffalo – Orion
Lothorian – Beyond The Astral Mind
Macroscream – Macroscream
Megadeth – Dystopia
Mephistofeles – Whore
Metallica – Hardwired … to Self Destructed
Michael Kiwanuka – Love and Hate
Modulario – Modulario
Moon Coven – Moon Coven
Motorpsycho – Here be Monsters
Nick Cave – Skeleton Tree
O Terno – Melhor do Que Parece
Opeth – Sorceress
Osi And The Jupiter – Hall Of The Wolf
Purple Kong – Purple Kong
Psychonautic Sun – One Look at the Sun
Reckless love – Invader
Red Hot Chili Peppers – Getaway
Rival Sons – Hollow Bones
Ruff Majik – The Fox
Russian Circles – Guidance
Siod – EsSIODio
Shakra – High Noon
Slow Green Thing – II
Spaceslug – Lemanis
Sunnata – Zorya
Swans – The Glowing Man
The Black Furs – Doomed Blues
Three Leg Dog – Red Sun
Van der Graaf Generator – Do Not Disturb
Vinum Sabbatum – Apprehensions
wytCHord – Death Will Flee
Whooom – Gargantua
Ouvi da lista o Electric Octopuss, o Lee Van Cleef (que preciso ouvir novamente, pq não me recordo bem…rs), e o Church of the Cosmic Skull e nem um deles me cativou tanto assim. Mas vamos lá, tem coisa que é gosto adquirido mesmo. Outras dicas preciso ir atrás!
Belo texto, Mairon!
Abraço
Valeu Ronaldo, a vida é assim. Esses que você ouviu, com exceção do Church, são bem stoners. Talvez seja isso …